Mais de 40% dos presos no Brasil ainda aguardam julgamento
Para cada 10 vagas do Sistema Penitenciário existem, em média, 16 presos.
Dados do Departamento Penitenciário Nacional são referentes a 2009.
Nathália Duarte
Do G1, em São Paulo
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Roraima tem uma média de três presos por vaga,
segundo o Depen (Foto: Reprodução/TV Globo)Para cada 10 vagas disponíveis no Sistema Penitenciário brasileiro existem, em média, 16 presos. Esse número é referente a dezembro de 2009, segundo o Infopen – Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça. São Paulo, o estado com o maior número de presos (163.915 dos 473.626 no Brasil), tem também o maior número de vagas (101.774 do total de 294.684) e mantém a média nacional no número de presos por vaga. Já o estado onde essa relação é mais crítica é Roraima, com três detentos por vaga.
Durante esta semana, o G1 vai publicar uma série de reportagens que destacam dados sobre a população carcerária no país. O levantamento trará também a opinião de especialistas.
Além da disparidade entre a quantidade de presos e de vagas, inúmeros fatores levam à superlotação dos presídios brasileiros. Um deles é a grande quantidade de presos provisórios, ou seja, que ainda aguardam julgamento. Segundo o Infopen, em 2009, havia 152.612 presos provisórios em penitenciárias, além dos mais de 56 mil em carceragens da Polícia Civil.
“Presos provisórios são aqueles que aguardam julgamento e que tiveram a prisão decretada ou mantida pelo Judiciário com a finalidade de garantir a ordem pública, a aplicação da lei penal, ou mesmo garantir as práticas de atos investigatórios. Em tese, eles deveriam estar, segundo a Lei de Execução Penal (LEP), em cadeias públicas”, diz o advogado Guilherme Portugal, professor da Escola Superior Dom Helder Câmara, de Belo Horizonte, especializada em direito.
Para André Luiz de Almeida e Cunha, diretor de políticas penitenciárias do Depen, a demora nos julgamentos desses presos decorre principalmente da morosidade do Poder Judiciário. Segundo ele, há um número reduzido de juízes, e muitos processos. “Atualmente, no Brasil, mais de 44% da população carcerária é de presos provisórios. E o que se espera dos juízes é desumano”, afirma.
A morosidade impede ainda que presos progridam de regime, conforme determina a lei em casos específicos. “O preso condenado a crime não hediondo pode migrar para o regime imediatamente mais brando ao cumprir um sexto da pena. Já para aqueles que cometeram crimes hediondos, a progressão de regime se dá após o cumprimento de dois quintos da pena, se o apenado for primário, e três quintos se for reincidente”, explica o diretor do Depen.
“Temos muitos casos de presos que nos procuram, mandam cartas, porque estão esquecidos. Já teriam direito à progressão de pena, mas não têm assistência. Esse é um problema de acesso à defesa”, diz Paula Ballesteros, pesquisadora do Núcleo de Violência da Universidade de São Paulo (USP).
Conheça os regimes de prisão
Presos Provisórios
152.612 presos
Aguardam julgamento e tiveram as prisões decretadas ou mantidas para garantir a ordem pública, a aplicação da lei penal, ou a prática de atos investigatórios. Devem ficar em cadeias públicas.
Regime Fechado
174.372 presos
Costumam receber penas maiores do que 8 anos e devem ficar presos em estabelecimentos de segurança máxima ou média (penitenciária ou presídio).
Regime Semiaberto
66.670 presos
Previsto para penas médias (entre 4 e 8 anos), e deve ser cumprido em Colônias Penais Agrícolas ou Industriais. O trabalho é admissível na própria unidade ou em ambiente externo, assim como a frequência a cursos profissionalizantes ou superiores. O preso deve retornar tão logo se encerre o expediente ou a última aula.
Regime Aberto
19.458 presos
Deve ser cumprido em casa de albergado, pois se baseia no senso de responsabilidade do condenado que deverá trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada fora do estabelecimento e sem vigilância, recolhendo-se à noite e nos dias de folga. Em alguns estados que não possuem albergues o juiz pode converter a sentença em prisão domiciliar.
Medidas de Segurança
4.000 presos
São aplicáveis a portadores de sofrimento mental que, no momento de cometimento de sua ação, não eram capazes de compreender o caráter ilícito das próprias ações. Nestes casos, não há condenação por não ser possível reprová-los por um comportamento ilícito. A medida de segurança só termina quando for elaborado laudo de cessação de periculosidade por médico psiquiatra.
Fonte: Infopen dez/2009 e Guilherme Portugal
Falta de recursos dentro e fora das prisões
Se o que retarda a volta de alguns presos à sociedade é a falta de recursos para acesso à defesa, também é a condição financeira a responsável pela entrada de alguns no mundo do crime. O maior número de presos no país pertence à faixa etária dos 18 aos 24 anos, totalizando 129.099 detentos.
“Esse dado é a manifestação de algo muito sério, porque nós estamos inviabilizando uma geração que vai dos 15 aos 25 anos. Essa é a faixa etária mais presente nas prisões e mais presente entre as vítimas de crimes também. Estamos nos esquecendo de uma faixa muito importante, que é o futuro imediato do país”, afirma Roberto Aguiar, professor da Universidade de Brasília (UnB), especialista em segurança pública.
Para Aguiar, o crime é a saída para jovens com pouca oportunidade de emprego, arte e lazer. “Isso se deve ao abandono dessa faixa, que não tem emprego, oportunidade, qualificação. Começamos a nos preocupar com as crianças, os idosos e ignoramos os jovens.”
Já o consultor em segurança pública Paulo César Fontes, tenente-coronel da reserva da Polícia Militar, acredita que os jovens não são, necessariamente, os que mais cometem crimes. “Cerca de 75% dos crimes não chegam a ser comunicados para a polícia. A cada 200 roubos notificados, por exemplo, apenas uma pessoa é presa. Isso nos leva a pensar que aquele que é preso é o iniciante, o principiante. E nós vamos gastar verba pública para colocar esse jovem na universidade do crime. Poucos anos depois, quando ele sair, não será mais preso porque fará parte do grupo dos mais experientes”, diz.
Infopen
O Infopen, segundo o Ministério da Justiça, é um sistema implantado nas 27 unidades da federação desde 2005.
“Temos três subsistemas: o estatístico, que é quantitativo e funciona em todo o país; o de gestão, que reúne informações sobre cada um dos presos do país, e existe em apenas 18 unidades da federação; e o módulo de inteligência, que ainda está em desenvolvimento e vai cruzar esses dados”, diz Cunha, diretor de políticas penitenciárias do Depen.
A defasagem no sistema de informações explica a divergência de números em dados sobre o perfil do preso no Brasil, como a população por faixa etária e grau de instrução, que só abrangem as 18 unidades da federação que já contam com o sistema de gestão, segundo Cunha.
segunda-feira, 5 de julho de 2010
sábado, 3 de julho de 2010
Brasil tem mais de 86 mil presos por tráfico de drogas
Brasil tem mais de 86 mil presos por tráfico de drogas
Em 2005, segundo Ministério da Justiça, 31,5 mil respondiam pelo crime.
Aumento de mulheres encarceradas pode estar relacionado ao tráfico.
Nathália Duarte
Do G1, em São Paulo
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População carcerária feminina cresce em maior
proporção que população carcerária masculina
(Foto: Reprodução/TV Globo)Tráfico de entorpecentes, roubo, furto e homicídio qualificado. Em 2009, a maioria dos presos em todo o país respondia por esses crimes, segundo o Infopen – Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça.
Durante esta semana, o G1 publica uma série de reportagens que destacam dados sobre a população carcerária no país. O levantamento trará também a opinião de especialistas.
De acordo com o levantamento, em 2009, mais de 86 mil pessoas estavam nas prisões por tráfico de entorpecentes. O roubo qualificado é o segundo crime mais cometido, com mais de 74 mil presos; furto qualificado e roubo simples, com quase 33 mil; e homicídio qualificado, com 29 mil.
Para ser considerado qualificado, um crime deve ocorrer mediante ameaça ou violência. Outra variável que pode qualificar um crime é cometê-lo contra mais de uma vítima, segundo José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional da Segurança Pública e consultor em segurança pública.
“Esses dados destacam uma média nacional, mas em cada região do país há crimes mais e menos frequentes. Isso porque o crime depende de oportunidade. É preciso entender que o crime é um negócio, por isso quanto menor o risco para o criminoso e maior o lucro, mais um determinado crime irá ocorrer”, diz o consultor em segurança pública Paulo César Fontes, tenente-coronel da reserva da Polícia Militar.
Segundo Fontes, em Manaus, “uma cidade ilhada”, o furto de veículos, muito comum em cidades como São Paulo, Recife e Rio de Janeiro, não é um bom negócio. “O mesmo ocorre em São Luís, onde os ladrões que roubam um carro não têm para onde ir. Por isso cada lugar tem uma realidade e sua particularidade no que diz respeito ao crime. Em Manaus, o furto em residências acontece muito”, afirma o consultor.
saiba mais
Mais de 40% dos presos no Brasil ainda aguardam julgamentoJá o tráfico de drogas é considerado por especialistas um caso à parte. Em 2005, eram 31,5 mil presos em todo o país- um aumento de mais de 54,5 mil em cinco anos. “A droga é campeã entre os crimes em todos os lugares”, diz Fontes.
O crescimento da população carcerária feminina pode ter relação direta com o aumento no número de casos, e prisões, por tráfico de drogas. “A população carcerária feminina cresce o dobro da masculina”, diz André Luiz de Almeida e Cunha, diretor de políticas penitenciárias do Depen, do Ministério da Justiça.
Para Roberto Aguiar, especialista em segurança pública e professor da Universidade de Brasília (UnB), o aumento da atividade de tráfico de drogas leva à necessidade de "mão de obra". "As mulheres presas por tráfico de drogas geralmente entram no crime para ajudar seu companheiro", diz.
A pesquisadora Paula Ballesteros, do Núcleo de Violência da Universidade de São Paulo (USP), acredita que a maior parte das mulheres presas esteja envolvida no transporte de drogas. "Uma minoria acaba sendo responsável pelo planejamento do crime, como cabeça desse sistema. Geralmente elas têm função de transporte porque costumam ter mais sutileza e usam essa característica a favor do crime", afirma.
Estrutura para presas mulheres
A prioridade do Ministério da Justiça, segundo André Luiz de Almeida e Cunha, diretor de políticas penitenciárias do Depen, é construir penitenciárias femininas para atender ao novo perfil de demanda.
"Existem apenas duas ou três unidades no país que foram construídas especificamente para mulheres. As demais são conventos ou colégios reformados, mas que não foram construídos pensando nas condições da mulher", diz Heidi Ann Cerneka, vice-coordenadora nacional da Pastoral Carcerária.
Outro dado alarmante destacado por Heidi é que nem todos os estados brasileiros têm presídios separados para mulheres. "Há estados em que as mulheres estão apenas em prédios separados, ou ainda estão no mesmo prédio, em celas separadas. Isso torna difícil a garantia de privacidade, de manter funcionárias femininas e até de condições de higiene para a mulher", afirma.
Segundo a vice-coordenadora, em estados com menos estrutura, a detenta precisa ir para longe de sua família para ficar em um presídio feminino. "A maioria das mulheres prefere ficar em lugares precários, sujos, para ter a visita dos filhos. O dever do Estado, no entanto, é garantir as duas coisas às presas, condições de vida e visitas familiares."
Em 2005, segundo Ministério da Justiça, 31,5 mil respondiam pelo crime.
Aumento de mulheres encarceradas pode estar relacionado ao tráfico.
Nathália Duarte
Do G1, em São Paulo
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População carcerária feminina cresce em maior
proporção que população carcerária masculina
(Foto: Reprodução/TV Globo)Tráfico de entorpecentes, roubo, furto e homicídio qualificado. Em 2009, a maioria dos presos em todo o país respondia por esses crimes, segundo o Infopen – Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça.
Durante esta semana, o G1 publica uma série de reportagens que destacam dados sobre a população carcerária no país. O levantamento trará também a opinião de especialistas.
De acordo com o levantamento, em 2009, mais de 86 mil pessoas estavam nas prisões por tráfico de entorpecentes. O roubo qualificado é o segundo crime mais cometido, com mais de 74 mil presos; furto qualificado e roubo simples, com quase 33 mil; e homicídio qualificado, com 29 mil.
Para ser considerado qualificado, um crime deve ocorrer mediante ameaça ou violência. Outra variável que pode qualificar um crime é cometê-lo contra mais de uma vítima, segundo José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional da Segurança Pública e consultor em segurança pública.
“Esses dados destacam uma média nacional, mas em cada região do país há crimes mais e menos frequentes. Isso porque o crime depende de oportunidade. É preciso entender que o crime é um negócio, por isso quanto menor o risco para o criminoso e maior o lucro, mais um determinado crime irá ocorrer”, diz o consultor em segurança pública Paulo César Fontes, tenente-coronel da reserva da Polícia Militar.
Segundo Fontes, em Manaus, “uma cidade ilhada”, o furto de veículos, muito comum em cidades como São Paulo, Recife e Rio de Janeiro, não é um bom negócio. “O mesmo ocorre em São Luís, onde os ladrões que roubam um carro não têm para onde ir. Por isso cada lugar tem uma realidade e sua particularidade no que diz respeito ao crime. Em Manaus, o furto em residências acontece muito”, afirma o consultor.
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Mais de 40% dos presos no Brasil ainda aguardam julgamentoJá o tráfico de drogas é considerado por especialistas um caso à parte. Em 2005, eram 31,5 mil presos em todo o país- um aumento de mais de 54,5 mil em cinco anos. “A droga é campeã entre os crimes em todos os lugares”, diz Fontes.
O crescimento da população carcerária feminina pode ter relação direta com o aumento no número de casos, e prisões, por tráfico de drogas. “A população carcerária feminina cresce o dobro da masculina”, diz André Luiz de Almeida e Cunha, diretor de políticas penitenciárias do Depen, do Ministério da Justiça.
Para Roberto Aguiar, especialista em segurança pública e professor da Universidade de Brasília (UnB), o aumento da atividade de tráfico de drogas leva à necessidade de "mão de obra". "As mulheres presas por tráfico de drogas geralmente entram no crime para ajudar seu companheiro", diz.
A pesquisadora Paula Ballesteros, do Núcleo de Violência da Universidade de São Paulo (USP), acredita que a maior parte das mulheres presas esteja envolvida no transporte de drogas. "Uma minoria acaba sendo responsável pelo planejamento do crime, como cabeça desse sistema. Geralmente elas têm função de transporte porque costumam ter mais sutileza e usam essa característica a favor do crime", afirma.
Estrutura para presas mulheres
A prioridade do Ministério da Justiça, segundo André Luiz de Almeida e Cunha, diretor de políticas penitenciárias do Depen, é construir penitenciárias femininas para atender ao novo perfil de demanda.
"Existem apenas duas ou três unidades no país que foram construídas especificamente para mulheres. As demais são conventos ou colégios reformados, mas que não foram construídos pensando nas condições da mulher", diz Heidi Ann Cerneka, vice-coordenadora nacional da Pastoral Carcerária.
Outro dado alarmante destacado por Heidi é que nem todos os estados brasileiros têm presídios separados para mulheres. "Há estados em que as mulheres estão apenas em prédios separados, ou ainda estão no mesmo prédio, em celas separadas. Isso torna difícil a garantia de privacidade, de manter funcionárias femininas e até de condições de higiene para a mulher", afirma.
Segundo a vice-coordenadora, em estados com menos estrutura, a detenta precisa ir para longe de sua família para ficar em um presídio feminino. "A maioria das mulheres prefere ficar em lugares precários, sujos, para ter a visita dos filhos. O dever do Estado, no entanto, é garantir as duas coisas às presas, condições de vida e visitas familiares."
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Com a palavra o preso.
"O sistema penal está repleto de doutores. Muitos deles nunca entraram numa penitenciária e passam longe da periferia com medo de serem assaltados, mas são eles que decidem sobre a conduta social e sobre a personalidade dos habitantes desses locais, para onde se conserva apontada a mira do poder repressivo."
Luís Carlos Valois
O sistema penal está repleto de doutores. Muitos deles nunca entraram numa penitenciária e passam longe da periferia com medo de serem assaltados, mas são eles que decidem sobre a conduta social e sobre a personalidade dos habitantes desses locais, para onde se conserva apontada a mira do poder repressivo.
Esses habitantes, objeto do sistema, que não freqüentaram faculdades e falam outro dialeto, também são obrigados a se portar de acordo com as regras de conduta estipuladas pelos doutores, criando-se assim um vazio que a legalidade do sistema penal não pode preencher (Eugênio Raul Zaffaroni, in "Em busca das penas perdidas", Revan, 4ª Ed. 1999, pg. 29).
Da idéia que os operadores do direito têm da lei e de seu objeto, muito tem sido dito, mas também é importante saber qual é o nível de consciência que o outro lado, o cidadão do direito penal, tem da norma que busca orientá-lo, até porque o desconhecimento dela é inescusável, podendo-se com isso avaliar inclusive o nível de legitimidade do sistema.
Por isso fui buscar em uma das formas de manifestação dos apenados, subsídio para extrair o seu grau de conhecimento da norma, no caso a penitenciária. Trata-se do "catatau", que, na linguagem carcerária do Amazonas, é a carta que o preso envia a qualquer autoridade, sendo que tal nome tem origem na visão que o interno tem da mesa dos doutores, local onde está acostumado a ver um catatau de papel.
Tenho um "catatau" em mãos, enviado ao Juízo da Vara de Execuções Criminais, e vou transcrevê-lo como foi escrito para não dissimular a dificuldade de comunicação que só faz acentuar o já referido vazio.
Com a palavra o apenado: "Ilustríssimo Senhor Juiz. Vossa Exelência bom dia, ou boa tarde conforme o senhor lê esta carta, venho humildemente pedi um poco de sua fidalga atenção por mim, pois meu nome é [...] por favor dentro das suas condições analise o meu caso, só tenho a lhe agradecer do fundo do meu coração pela atenção..."
Todas essas cartas iniciam e terminam com muita reverência ou até mesmo bajulação, o que não é comum no mundo dos presos, onde o respeito deriva do medo, mas para eles parece ser um tratamento necessário no meio das autoridades, o que não deixa de ser verdade em alguns casos.
O apenado: "...Vossa Exelência eu tenho 7 anos e 7 messes preso no fechado, tenho 4 anos trabalhado fora que ganho 1 ano de remisão, no total eu fico com 8 anos e 7 meses puxado..."
O instituto da remição já criou raízes na comunidade carcerária e, afora erros de cálculo, todos têm conhecimento do abatimento de pena que a atividade laboral lhes trará, fato este que só faz aumentar a angústia e o sentimento de injustiça dos condenados que, vendo outros trabalharem, ficam no famoso "aguardando vaga".
Mais uma vez, o apenado: "...Devido tê esse tempo todo puxado eu nunca me envolvi em bronca que futuramente podia me prejudicar..."
O preso sabe da importância de seu comportamento na execução da pena; difícil é explicar para ele o "regime integralmente fechado", dissociado do princípio de individualização da pena que norteou a Lei de Execução Penal. Pior é explicar quando o condenado submetido a esse pseudo-regime tem sua pena executada em conjunto com outros aos quais é permitida a execução em sistema progressivo, quebrando-se o princípio da isonomia pretendido pela lei, ao estabelecer a diversidade de estabelecimentos penais, pois sob o mesmo teto não poderíamos ter pessoas submetidas a regimes jurídicos diversos.
Continua o apenado falando de uma rixa com outros presos, os quais se haviam envolvido anteriormente em uma rebelião: "...nós da cozinha não dejavamos eles fazer onda na cadeia aí comesou a rinxa entre nós da cozinha e eles, a onde eles tem odio de nós que trabalhamos na cozinha, mais quando nós viemos pra cá continuamos a trabalhar na cozinha, eu estava trabalhando numa boa, eu já tinha terminado de fazer meus exames pra mudança de regime, e eu estava inpolgado, todos funcionarios gostavam de mim [...] tinha o maior asseço e não tinha motivo pra mim se meter em confusão ou qualquer bronca..."
Como vemos o condenado em questão é um "faxina", que "é o preso classificado para qualquer ocupação laboral" (Augusto Thompson, in "A questão penitenciária", Forense, 2ª Ed. 1980). Há a consciência do status especial de que goza e a valorização disso. No caso, a atividade na cozinha é a mais importante, em vista do acesso à direção, aos instrumentos que guarnecem a cozinha e principalmente em razão do melhor acesso à comida.
Para o apenado, a entrevista realizada pela Comissão Técnica de Classificação serve para levá-lo à progressão de regime, e ele não distingue entre os exames realizados para a classificação e a entrevista que visa à emissão de parecer sobre a possível progressividade. Também não entende como o estudo de sua personalidade pode influir no incidente. Para o apenado, havendo bom comportamento, o qual equivale à ausência de "bronca", o cumprimento de um sexto da pena, e realizados os "exames", a progressão deve ser concedida, e tudo fora esse entendimento é injustiça.
Segue o apenado: "...Só falaram que nós do pavilhão 3 queria matar eles, coisa que não ezistia, ai depois de alguns dias eles do pavilhão 2 morando juntos, falam na sindicance que foi eu que levava e trazia, agora levava e trazia o que [...] ai depois do depoimento desses caras, o Dr. me botou no castigo...".
A violação do "Código do Silêncio da Ética", o qual possui "regras claras sobre condutas e sanções severas às violações", como bem enfatizou Carlos Lélio Lauria ("Subcultura Carcerária", Boletim IBCCrim nº58, de setembro de 1997), é algo que todo preso afasta peremptoriamente.
Sabe o apenado que a atividade do conselho disciplinar precede a punição administrativa, mas para ele ninguém manda mais no estabelecimento do que o diretor. O contraditório, que deveria estar presente em qualquer procedimento (Art. 5º, LV, da C.F.), muito prejudicado com as atividades de assistentes jurídicos fora dos quadros da Defensoria Pública (art. 16 da L.E.P.), vinculados à administração penitenciária, não existe para o apenado.
Ainda o nosso protagonista: "...Vossa Exelência eu não entendo, a minha ficha não tem bronca alguma de envolvimento em rebelião durante quase 8 anos, aí como eu ia me envolver agora eu com um passo pro semi aberto, não tem logica Vossa Excelência. Analise com a sua experiência. Pois o que eu mais quero na minha vida é ir pro semi aberto [...] Eu posso ter errado um dia na minha vida, mais errar é humano, pior é continuar no erro [...] eu ia ficar agradecido o resto da minha vida se o senhor me desse uma chance, eu nunca ia pisa na bola com o senhor..."
O preso conhece o sistema progressivo e sabe de seu requisito subjetivo, o mérito (art. 112 da L.E.P.) e, como visto, todo o seu comportamento baseia-se na esperança de um contato maior com o meio livre.
O cidadão do direito penal não se considera à margem da sociedade, ele se considera de uma outra sociedade, subjugada, mas outra, seja quando já está preso ou quando ainda está em liberdade. A ressocialização de que ele tanto houve falar, não tem, para ele, o mesmo sentido que para nós, o de adaptação às regras do sistema político-social. Por isso que se ele ouve falar que ressocialização é trabalho, ele trabalhará, e se ele ouve falar que ressocialização é bom comportamento, ele buscará a disciplina, porque ressocialização é o termo mais próximo da liberdade que ele conhece.
Luís Carlos Valois é Juiz de Direito em Manaus, AM
Luís Carlos Valois
O sistema penal está repleto de doutores. Muitos deles nunca entraram numa penitenciária e passam longe da periferia com medo de serem assaltados, mas são eles que decidem sobre a conduta social e sobre a personalidade dos habitantes desses locais, para onde se conserva apontada a mira do poder repressivo.
Esses habitantes, objeto do sistema, que não freqüentaram faculdades e falam outro dialeto, também são obrigados a se portar de acordo com as regras de conduta estipuladas pelos doutores, criando-se assim um vazio que a legalidade do sistema penal não pode preencher (Eugênio Raul Zaffaroni, in "Em busca das penas perdidas", Revan, 4ª Ed. 1999, pg. 29).
Da idéia que os operadores do direito têm da lei e de seu objeto, muito tem sido dito, mas também é importante saber qual é o nível de consciência que o outro lado, o cidadão do direito penal, tem da norma que busca orientá-lo, até porque o desconhecimento dela é inescusável, podendo-se com isso avaliar inclusive o nível de legitimidade do sistema.
Por isso fui buscar em uma das formas de manifestação dos apenados, subsídio para extrair o seu grau de conhecimento da norma, no caso a penitenciária. Trata-se do "catatau", que, na linguagem carcerária do Amazonas, é a carta que o preso envia a qualquer autoridade, sendo que tal nome tem origem na visão que o interno tem da mesa dos doutores, local onde está acostumado a ver um catatau de papel.
Tenho um "catatau" em mãos, enviado ao Juízo da Vara de Execuções Criminais, e vou transcrevê-lo como foi escrito para não dissimular a dificuldade de comunicação que só faz acentuar o já referido vazio.
Com a palavra o apenado: "Ilustríssimo Senhor Juiz. Vossa Exelência bom dia, ou boa tarde conforme o senhor lê esta carta, venho humildemente pedi um poco de sua fidalga atenção por mim, pois meu nome é [...] por favor dentro das suas condições analise o meu caso, só tenho a lhe agradecer do fundo do meu coração pela atenção..."
Todas essas cartas iniciam e terminam com muita reverência ou até mesmo bajulação, o que não é comum no mundo dos presos, onde o respeito deriva do medo, mas para eles parece ser um tratamento necessário no meio das autoridades, o que não deixa de ser verdade em alguns casos.
O apenado: "...Vossa Exelência eu tenho 7 anos e 7 messes preso no fechado, tenho 4 anos trabalhado fora que ganho 1 ano de remisão, no total eu fico com 8 anos e 7 meses puxado..."
O instituto da remição já criou raízes na comunidade carcerária e, afora erros de cálculo, todos têm conhecimento do abatimento de pena que a atividade laboral lhes trará, fato este que só faz aumentar a angústia e o sentimento de injustiça dos condenados que, vendo outros trabalharem, ficam no famoso "aguardando vaga".
Mais uma vez, o apenado: "...Devido tê esse tempo todo puxado eu nunca me envolvi em bronca que futuramente podia me prejudicar..."
O preso sabe da importância de seu comportamento na execução da pena; difícil é explicar para ele o "regime integralmente fechado", dissociado do princípio de individualização da pena que norteou a Lei de Execução Penal. Pior é explicar quando o condenado submetido a esse pseudo-regime tem sua pena executada em conjunto com outros aos quais é permitida a execução em sistema progressivo, quebrando-se o princípio da isonomia pretendido pela lei, ao estabelecer a diversidade de estabelecimentos penais, pois sob o mesmo teto não poderíamos ter pessoas submetidas a regimes jurídicos diversos.
Continua o apenado falando de uma rixa com outros presos, os quais se haviam envolvido anteriormente em uma rebelião: "...nós da cozinha não dejavamos eles fazer onda na cadeia aí comesou a rinxa entre nós da cozinha e eles, a onde eles tem odio de nós que trabalhamos na cozinha, mais quando nós viemos pra cá continuamos a trabalhar na cozinha, eu estava trabalhando numa boa, eu já tinha terminado de fazer meus exames pra mudança de regime, e eu estava inpolgado, todos funcionarios gostavam de mim [...] tinha o maior asseço e não tinha motivo pra mim se meter em confusão ou qualquer bronca..."
Como vemos o condenado em questão é um "faxina", que "é o preso classificado para qualquer ocupação laboral" (Augusto Thompson, in "A questão penitenciária", Forense, 2ª Ed. 1980). Há a consciência do status especial de que goza e a valorização disso. No caso, a atividade na cozinha é a mais importante, em vista do acesso à direção, aos instrumentos que guarnecem a cozinha e principalmente em razão do melhor acesso à comida.
Para o apenado, a entrevista realizada pela Comissão Técnica de Classificação serve para levá-lo à progressão de regime, e ele não distingue entre os exames realizados para a classificação e a entrevista que visa à emissão de parecer sobre a possível progressividade. Também não entende como o estudo de sua personalidade pode influir no incidente. Para o apenado, havendo bom comportamento, o qual equivale à ausência de "bronca", o cumprimento de um sexto da pena, e realizados os "exames", a progressão deve ser concedida, e tudo fora esse entendimento é injustiça.
Segue o apenado: "...Só falaram que nós do pavilhão 3 queria matar eles, coisa que não ezistia, ai depois de alguns dias eles do pavilhão 2 morando juntos, falam na sindicance que foi eu que levava e trazia, agora levava e trazia o que [...] ai depois do depoimento desses caras, o Dr. me botou no castigo...".
A violação do "Código do Silêncio da Ética", o qual possui "regras claras sobre condutas e sanções severas às violações", como bem enfatizou Carlos Lélio Lauria ("Subcultura Carcerária", Boletim IBCCrim nº58, de setembro de 1997), é algo que todo preso afasta peremptoriamente.
Sabe o apenado que a atividade do conselho disciplinar precede a punição administrativa, mas para ele ninguém manda mais no estabelecimento do que o diretor. O contraditório, que deveria estar presente em qualquer procedimento (Art. 5º, LV, da C.F.), muito prejudicado com as atividades de assistentes jurídicos fora dos quadros da Defensoria Pública (art. 16 da L.E.P.), vinculados à administração penitenciária, não existe para o apenado.
Ainda o nosso protagonista: "...Vossa Exelência eu não entendo, a minha ficha não tem bronca alguma de envolvimento em rebelião durante quase 8 anos, aí como eu ia me envolver agora eu com um passo pro semi aberto, não tem logica Vossa Excelência. Analise com a sua experiência. Pois o que eu mais quero na minha vida é ir pro semi aberto [...] Eu posso ter errado um dia na minha vida, mais errar é humano, pior é continuar no erro [...] eu ia ficar agradecido o resto da minha vida se o senhor me desse uma chance, eu nunca ia pisa na bola com o senhor..."
O preso conhece o sistema progressivo e sabe de seu requisito subjetivo, o mérito (art. 112 da L.E.P.) e, como visto, todo o seu comportamento baseia-se na esperança de um contato maior com o meio livre.
O cidadão do direito penal não se considera à margem da sociedade, ele se considera de uma outra sociedade, subjugada, mas outra, seja quando já está preso ou quando ainda está em liberdade. A ressocialização de que ele tanto houve falar, não tem, para ele, o mesmo sentido que para nós, o de adaptação às regras do sistema político-social. Por isso que se ele ouve falar que ressocialização é trabalho, ele trabalhará, e se ele ouve falar que ressocialização é bom comportamento, ele buscará a disciplina, porque ressocialização é o termo mais próximo da liberdade que ele conhece.
Luís Carlos Valois é Juiz de Direito em Manaus, AM
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
Emprego atrás das grades
Emprego atrás das gradesEmpresas vão aos presídios em busca de mão-de-obra barata e causam reação do governo e dos sindicatosPor IVAN MARTINS E ADRIANA NICÁCIO
A população carcerária brasileira está pegando no pesado. Estimuladas por baixos salários e pela possibilidade de prestar serviços sociais, as empresas estão se dirigindo aos presídios em busca de mão-de-obra. Em São Paulo, 42 mil prisioneiros já recebem cerca de R$ 300 por mês para realizar trabalhos industriais de baixa qualificação. O número é 10% maior do que no ano passado – e a Fundação de Amparo ao Preso, que organiza o trabalho carcerário em São Paulo, quer expandir os contratos para o setor de serviços. “Estamos negociando a instalação de call-centers nos presídios femininos”, diz Marcio Martinelli, diretor da Funap. O Departamento Penitenciário Nacional calcula que pelo menos 26% dos 340 mil detentos brasileiros já trabalham. Para cada três dias de labuta, ganham um dia de redução de pena. É um situação onde aparentemente todos ganham. Os sindicatos, porém, não pensam assim. Eles alegam que empresas no interior de São Paulo estão movendo sua espinha dorsal para dentro dos presídios em prejuízo dos trabalhadores do lado de fora. Pressionado, o presidente Lula assinou um decreto no final do ano passado determinando a contribuição previdenciária dos presos: empregador paga 20% e empregado paga 10%. Foi uma chiadeira geral e a medida não pegou. “Quem não recolhe contribuição está na ilegalidade”, avisa Fábio Costa, coordenador-geral do Departamento Penitenciário Nacional.
A fabricante de autopeças Schunk, de origem alemã, é uma das 8 mil empresas integradas ao programa paulista de trabalho prisional. Tem 16 detentas em regime semi-aberto em sua linha de montagem e mantém uma oficina com 14 pessoas no presídio feminino do Butantã, em São Paulo. O trabalho de solda que as prisioneiras fazem por um salário de R$ 350 por mês costumava ser terceirizado. “Não tiramos emprego de ninguém”, diz Luiz Carlos Cunha, diretor da empresa. Ele diz que o contrato com a Fundação de Amparo ao Preso, a Funap, faz todo sentido econômico, mas que essa não é a grande motivação. “Estamos fazendo trabalho social. Se ninguém se preocupar em habilitar essas pessoas elas voltam para o crime”, diz Cunha. Na linha de montagem da empresa, onde trabalham 174 pessoas, há três ex-detentas que aprenderam com a Schunk no presídio do Butantã. No Rio Grande do Sul trabalham quase 11 mil dos 23 mil detentos, contratados por 145 empresas. Um empresário que não quis se identificar, e que faz um quarto da sua produção de artefatos de couro para exportação nos presídios, explicou à DINHEIRO porque o negócio é bom. “O salário é semelhante, mas reduzimos os custos por causa dos impostos”, explica. Os prisioneiros não têm Fundo de Garantia, Férias ou 13º salário. “O problema”, diz o empresário, “é que os importadores acham que é trabalho escravo. Não podemos aparecer muito.”
Dias atrás, representantes da Federação dos Metalúrgicos estiveram no Centro das Indústrias de São Paulo para conversar com o presidente da entidade, Cláudio Vaz. Pediram para incluir o tema do trabalho carcerário na negociação coletiva. “Estão explorando a mão-de-obra dos presos e fazendo concorrência desleal”, afirma Chico Fernandes, vice-presidente da Federação. Os metalúrgicos querem limitar a 10% o percentual de funcionários que as empresas podem empregar nos presídios. O presidente do Ciesp topou conversar. “O trabalho nos presídios é fundamental para a reintegração social dos presos”, pondera Vaz. “Mas as empresas não podem se estruturar com base nele. Isso é o que faz a China, e nós somos contra.” A legislação penal de 1984 diz que o preso não pode receber menos do que 75% do salário mínimo regional, mas o Departamento Penitenciário Nacional diz que nem sempre isso é respeitado. “Nossa maior dificuldade é estabelecer como o trabalho prisional deve ser feito”, diz Costa. “Não adianta o preso passar 10 anos fazendo vassouras, ganhando por unidade, e terminar a pena sem ter aprendido nada.”
A população carcerária brasileira está pegando no pesado. Estimuladas por baixos salários e pela possibilidade de prestar serviços sociais, as empresas estão se dirigindo aos presídios em busca de mão-de-obra. Em São Paulo, 42 mil prisioneiros já recebem cerca de R$ 300 por mês para realizar trabalhos industriais de baixa qualificação. O número é 10% maior do que no ano passado – e a Fundação de Amparo ao Preso, que organiza o trabalho carcerário em São Paulo, quer expandir os contratos para o setor de serviços. “Estamos negociando a instalação de call-centers nos presídios femininos”, diz Marcio Martinelli, diretor da Funap. O Departamento Penitenciário Nacional calcula que pelo menos 26% dos 340 mil detentos brasileiros já trabalham. Para cada três dias de labuta, ganham um dia de redução de pena. É um situação onde aparentemente todos ganham. Os sindicatos, porém, não pensam assim. Eles alegam que empresas no interior de São Paulo estão movendo sua espinha dorsal para dentro dos presídios em prejuízo dos trabalhadores do lado de fora. Pressionado, o presidente Lula assinou um decreto no final do ano passado determinando a contribuição previdenciária dos presos: empregador paga 20% e empregado paga 10%. Foi uma chiadeira geral e a medida não pegou. “Quem não recolhe contribuição está na ilegalidade”, avisa Fábio Costa, coordenador-geral do Departamento Penitenciário Nacional.
A fabricante de autopeças Schunk, de origem alemã, é uma das 8 mil empresas integradas ao programa paulista de trabalho prisional. Tem 16 detentas em regime semi-aberto em sua linha de montagem e mantém uma oficina com 14 pessoas no presídio feminino do Butantã, em São Paulo. O trabalho de solda que as prisioneiras fazem por um salário de R$ 350 por mês costumava ser terceirizado. “Não tiramos emprego de ninguém”, diz Luiz Carlos Cunha, diretor da empresa. Ele diz que o contrato com a Fundação de Amparo ao Preso, a Funap, faz todo sentido econômico, mas que essa não é a grande motivação. “Estamos fazendo trabalho social. Se ninguém se preocupar em habilitar essas pessoas elas voltam para o crime”, diz Cunha. Na linha de montagem da empresa, onde trabalham 174 pessoas, há três ex-detentas que aprenderam com a Schunk no presídio do Butantã. No Rio Grande do Sul trabalham quase 11 mil dos 23 mil detentos, contratados por 145 empresas. Um empresário que não quis se identificar, e que faz um quarto da sua produção de artefatos de couro para exportação nos presídios, explicou à DINHEIRO porque o negócio é bom. “O salário é semelhante, mas reduzimos os custos por causa dos impostos”, explica. Os prisioneiros não têm Fundo de Garantia, Férias ou 13º salário. “O problema”, diz o empresário, “é que os importadores acham que é trabalho escravo. Não podemos aparecer muito.”
Dias atrás, representantes da Federação dos Metalúrgicos estiveram no Centro das Indústrias de São Paulo para conversar com o presidente da entidade, Cláudio Vaz. Pediram para incluir o tema do trabalho carcerário na negociação coletiva. “Estão explorando a mão-de-obra dos presos e fazendo concorrência desleal”, afirma Chico Fernandes, vice-presidente da Federação. Os metalúrgicos querem limitar a 10% o percentual de funcionários que as empresas podem empregar nos presídios. O presidente do Ciesp topou conversar. “O trabalho nos presídios é fundamental para a reintegração social dos presos”, pondera Vaz. “Mas as empresas não podem se estruturar com base nele. Isso é o que faz a China, e nós somos contra.” A legislação penal de 1984 diz que o preso não pode receber menos do que 75% do salário mínimo regional, mas o Departamento Penitenciário Nacional diz que nem sempre isso é respeitado. “Nossa maior dificuldade é estabelecer como o trabalho prisional deve ser feito”, diz Costa. “Não adianta o preso passar 10 anos fazendo vassouras, ganhando por unidade, e terminar a pena sem ter aprendido nada.”
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Situação de presídios no Brasil é vergonhosa, diz membro da CNDH
Fonte: Conselho Federal OAB
O quadro em que se encontram atualmente os presídios brasileiros, em todo o País, é de caos - e suas cores continuam desumanas. Este é o resumo de um balanço apresentado hoje (26) ao presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, pelo advogado Percílio de Sousa Lima Neto, vice-presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) do Conselho Federal da OAB. "Não se pode cuidar de direitos humanos sem lançar os olhos sobre a situação vergonhosa e escatológica dos presídios brasileiros", criticou Percílio durante a audiência com o presidente nacional da OAB.Vice-presidente também da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), do Ministério da Justiça, Percílio de Sousa Lima Neto tem percorrido o sistema carcerário de todo o País fazendo um levantamento para apresentar sugestões às autoridades brasileiras para reverter o quadro de calamidade em que ele se encontra. "A situação desses presídios é insustentável, chaga desumana que atenta contra os foros de nação civilizada do Estado brasileiro, que já responde por essas violações perante a Comissão de Direitos Humanos da OEA em Washington", sustentou o especialista a Cezar Britto. Em breve, Percílio apresentará à entidade um balanço completo do quadro caótico do sistema carcerário brasileiro.
O quadro em que se encontram atualmente os presídios brasileiros, em todo o País, é de caos - e suas cores continuam desumanas. Este é o resumo de um balanço apresentado hoje (26) ao presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, pelo advogado Percílio de Sousa Lima Neto, vice-presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) do Conselho Federal da OAB. "Não se pode cuidar de direitos humanos sem lançar os olhos sobre a situação vergonhosa e escatológica dos presídios brasileiros", criticou Percílio durante a audiência com o presidente nacional da OAB.Vice-presidente também da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), do Ministério da Justiça, Percílio de Sousa Lima Neto tem percorrido o sistema carcerário de todo o País fazendo um levantamento para apresentar sugestões às autoridades brasileiras para reverter o quadro de calamidade em que ele se encontra. "A situação desses presídios é insustentável, chaga desumana que atenta contra os foros de nação civilizada do Estado brasileiro, que já responde por essas violações perante a Comissão de Direitos Humanos da OEA em Washington", sustentou o especialista a Cezar Britto. Em breve, Percílio apresentará à entidade um balanço completo do quadro caótico do sistema carcerário brasileiro.
sábado, 21 de novembro de 2009
Rebeliões em presídios brasileiros matam mais que guerra no Iraque
As rebeliões e conflitos iniciados nessa sexta-feira em diversos estados brasileiros fez com que o Brasil superasse em número de mortos os conflitos e atentados na guerra do Iraque. Segundo as autoridades já foram registrados mais de 57 ataques a delegacias, carros e postos policiais só no estado de São Paulo. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, as rebeliões tiveram como estopim a transferência de 765 presos de diferentes facções criminosas de presídios paulistas para o presídio de Presidente Venceslau no oeste de SP. Dentre eles o chefe de uma das facções, Marcos Willians Camacho, o Marcola, responsável por uma onda de rebeliões ocorridos em 2001 que mataram 19 pessoas. Marcola foi transferido para a sede do Departamento Estadual de Investigações do Crime Organizado (Deic), onde seria interrogado. As séries de motins chamados de Violence Wave, pelos jornais internacionais, deixaram a população assustada. A PM afirma há muitos boatos e exageros.
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Presídios são verdadeira universidades do crime
Não é de hoje que, no Brasil, combate-se o crime por meio de práticas de igual calibre. E os delitos não cessam com a detenção dos infratores. As prisões e o tratamento dispensado aos detidos são de tal forma degradantes e desumanos que, em vez de recuperá-los para o convívio social — objetivo declarado das casas de correção do Estado —, os tornam ainda mais ferozes e pervertidos.
Não há triagens nas penitenciárias, o que submete detidos por delitos leves ao convívio com criminosos ferozes, transformando os presídios, sucursais do inferno, em verdadeiras universidades do crime. Sai-se de lá, em regra, bem pior do que se entrou.
Ilude-se quem supõe que é possível reduzir a criminalidade e construir-se a paz social mantendo-se depósitos de gado humano em penitenciárias. A violência, onde estiver sendo praticada, irradia-se por toda a sociedade que a patrocina.
Já no traçado arquitetônico dos presídios, com seus cubículos imundos, maus tratos físicos e morais, constata-se o desprezo pela condição humana. Percebe-se que não se teve em mente algo essencial e elementar: que o infrator, por maior que tenha sido o seu delito, é um ser humano — e, como tal, precisa ser tratado.
Na década dos 30 do século passado, o advogado Sobral Pinto invocou a Lei de Proteção dos Animais — nada menos! — para defender o líder comunista Luiz Carlos Prestes, preso em 1935, após mal-sucedida tentativa de insurreição política.
Sobral, católico e antípoda ideológico de Prestes, encontrou-o num vão de escada, sem espaço físico para caminhar, sem direito a banhos de sol, sem acesso a livros ou a qualquer outra forma de atividade. Nem um animal sobreviveria muito tempo a tal ambiente. A denúncia obrigou o governo a oferecer a Prestes condições menos inóspitas — embora ainda bem longe da ideal.
Isso, claro, em face da notoriedade que a denúncia obteve. Os que não têm tal privilégio apodrecem como carne em açougue.
De lá para cá, passados 74 anos, o que mudou. Nada. A OAB acaba de ser informada de nova abjeção nessa matéria, mostrando a inesgotável e sórdida imaginação criadora dos violadores dos direitos humanos. Trata-se das prisões-contêineres - caixas de estrutura metálica, sem janelas e sem ventilação, absolutamente inadequadas ao fim a que se destinam: abrigar o ser humano.
Em diversos estados da federação — entre outros, Espírito Santo, Pará e Santa Catarina, onde já foram denunciadas —, os presos são encaminhados a esses depósitos, em condições as mais abjetas, degradantes até mesmo para animais.
A simples existência de tais prisões já configura em si um delito hediondo, inominável, por parte do Estado, que tem o dever de zelar pela integridade e dignidade dos que mantém sob sua guarda.
Equipara-se a crime de tortura, de lesa-humanidade, que o Conselho Federal da OAB, perplexo e indignado, denuncia ao Governo Federal e à sociedade brasileira, na expectativa de que o corrija imediatamente e enquadre, nas penas da lei, de maneira exemplar, os responsáveis por sua implantação.
A OAB, nesses termos, encaminhou também essa denúncia aos fóruns internacionais competentes: Anistia Internacional, Organização das Nações Unidas e Corte Interamericana de Direitos Humanos, de San José da Costa Rica. Trata-se de escândalo insuportável, que merece o mais veemente repúdio da sociedade brasileira.
O Brasil não resolverá o desafio da violência enquanto continuar a tratar os seus infratores — face mais dramática da crise social —como animais. Ou por outra, pior que os animais. Basta comparar o padrão vigente nos zoológicos com o das penitenciárias.
Não há triagens nas penitenciárias, o que submete detidos por delitos leves ao convívio com criminosos ferozes, transformando os presídios, sucursais do inferno, em verdadeiras universidades do crime. Sai-se de lá, em regra, bem pior do que se entrou.
Ilude-se quem supõe que é possível reduzir a criminalidade e construir-se a paz social mantendo-se depósitos de gado humano em penitenciárias. A violência, onde estiver sendo praticada, irradia-se por toda a sociedade que a patrocina.
Já no traçado arquitetônico dos presídios, com seus cubículos imundos, maus tratos físicos e morais, constata-se o desprezo pela condição humana. Percebe-se que não se teve em mente algo essencial e elementar: que o infrator, por maior que tenha sido o seu delito, é um ser humano — e, como tal, precisa ser tratado.
Na década dos 30 do século passado, o advogado Sobral Pinto invocou a Lei de Proteção dos Animais — nada menos! — para defender o líder comunista Luiz Carlos Prestes, preso em 1935, após mal-sucedida tentativa de insurreição política.
Sobral, católico e antípoda ideológico de Prestes, encontrou-o num vão de escada, sem espaço físico para caminhar, sem direito a banhos de sol, sem acesso a livros ou a qualquer outra forma de atividade. Nem um animal sobreviveria muito tempo a tal ambiente. A denúncia obrigou o governo a oferecer a Prestes condições menos inóspitas — embora ainda bem longe da ideal.
Isso, claro, em face da notoriedade que a denúncia obteve. Os que não têm tal privilégio apodrecem como carne em açougue.
De lá para cá, passados 74 anos, o que mudou. Nada. A OAB acaba de ser informada de nova abjeção nessa matéria, mostrando a inesgotável e sórdida imaginação criadora dos violadores dos direitos humanos. Trata-se das prisões-contêineres - caixas de estrutura metálica, sem janelas e sem ventilação, absolutamente inadequadas ao fim a que se destinam: abrigar o ser humano.
Em diversos estados da federação — entre outros, Espírito Santo, Pará e Santa Catarina, onde já foram denunciadas —, os presos são encaminhados a esses depósitos, em condições as mais abjetas, degradantes até mesmo para animais.
A simples existência de tais prisões já configura em si um delito hediondo, inominável, por parte do Estado, que tem o dever de zelar pela integridade e dignidade dos que mantém sob sua guarda.
Equipara-se a crime de tortura, de lesa-humanidade, que o Conselho Federal da OAB, perplexo e indignado, denuncia ao Governo Federal e à sociedade brasileira, na expectativa de que o corrija imediatamente e enquadre, nas penas da lei, de maneira exemplar, os responsáveis por sua implantação.
A OAB, nesses termos, encaminhou também essa denúncia aos fóruns internacionais competentes: Anistia Internacional, Organização das Nações Unidas e Corte Interamericana de Direitos Humanos, de San José da Costa Rica. Trata-se de escândalo insuportável, que merece o mais veemente repúdio da sociedade brasileira.
O Brasil não resolverá o desafio da violência enquanto continuar a tratar os seus infratores — face mais dramática da crise social —como animais. Ou por outra, pior que os animais. Basta comparar o padrão vigente nos zoológicos com o das penitenciárias.
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