Emprego atrás das gradesEmpresas vão aos presídios em busca de mão-de-obra barata e causam reação do governo e dos sindicatosPor IVAN MARTINS E ADRIANA NICÁCIO
A população carcerária brasileira está pegando no pesado. Estimuladas por baixos salários e pela possibilidade de prestar serviços sociais, as empresas estão se dirigindo aos presídios em busca de mão-de-obra. Em São Paulo, 42 mil prisioneiros já recebem cerca de R$ 300 por mês para realizar trabalhos industriais de baixa qualificação. O número é 10% maior do que no ano passado – e a Fundação de Amparo ao Preso, que organiza o trabalho carcerário em São Paulo, quer expandir os contratos para o setor de serviços. “Estamos negociando a instalação de call-centers nos presídios femininos”, diz Marcio Martinelli, diretor da Funap. O Departamento Penitenciário Nacional calcula que pelo menos 26% dos 340 mil detentos brasileiros já trabalham. Para cada três dias de labuta, ganham um dia de redução de pena. É um situação onde aparentemente todos ganham. Os sindicatos, porém, não pensam assim. Eles alegam que empresas no interior de São Paulo estão movendo sua espinha dorsal para dentro dos presídios em prejuízo dos trabalhadores do lado de fora. Pressionado, o presidente Lula assinou um decreto no final do ano passado determinando a contribuição previdenciária dos presos: empregador paga 20% e empregado paga 10%. Foi uma chiadeira geral e a medida não pegou. “Quem não recolhe contribuição está na ilegalidade”, avisa Fábio Costa, coordenador-geral do Departamento Penitenciário Nacional.
A fabricante de autopeças Schunk, de origem alemã, é uma das 8 mil empresas integradas ao programa paulista de trabalho prisional. Tem 16 detentas em regime semi-aberto em sua linha de montagem e mantém uma oficina com 14 pessoas no presídio feminino do Butantã, em São Paulo. O trabalho de solda que as prisioneiras fazem por um salário de R$ 350 por mês costumava ser terceirizado. “Não tiramos emprego de ninguém”, diz Luiz Carlos Cunha, diretor da empresa. Ele diz que o contrato com a Fundação de Amparo ao Preso, a Funap, faz todo sentido econômico, mas que essa não é a grande motivação. “Estamos fazendo trabalho social. Se ninguém se preocupar em habilitar essas pessoas elas voltam para o crime”, diz Cunha. Na linha de montagem da empresa, onde trabalham 174 pessoas, há três ex-detentas que aprenderam com a Schunk no presídio do Butantã. No Rio Grande do Sul trabalham quase 11 mil dos 23 mil detentos, contratados por 145 empresas. Um empresário que não quis se identificar, e que faz um quarto da sua produção de artefatos de couro para exportação nos presídios, explicou à DINHEIRO porque o negócio é bom. “O salário é semelhante, mas reduzimos os custos por causa dos impostos”, explica. Os prisioneiros não têm Fundo de Garantia, Férias ou 13º salário. “O problema”, diz o empresário, “é que os importadores acham que é trabalho escravo. Não podemos aparecer muito.”
Dias atrás, representantes da Federação dos Metalúrgicos estiveram no Centro das Indústrias de São Paulo para conversar com o presidente da entidade, Cláudio Vaz. Pediram para incluir o tema do trabalho carcerário na negociação coletiva. “Estão explorando a mão-de-obra dos presos e fazendo concorrência desleal”, afirma Chico Fernandes, vice-presidente da Federação. Os metalúrgicos querem limitar a 10% o percentual de funcionários que as empresas podem empregar nos presídios. O presidente do Ciesp topou conversar. “O trabalho nos presídios é fundamental para a reintegração social dos presos”, pondera Vaz. “Mas as empresas não podem se estruturar com base nele. Isso é o que faz a China, e nós somos contra.” A legislação penal de 1984 diz que o preso não pode receber menos do que 75% do salário mínimo regional, mas o Departamento Penitenciário Nacional diz que nem sempre isso é respeitado. “Nossa maior dificuldade é estabelecer como o trabalho prisional deve ser feito”, diz Costa. “Não adianta o preso passar 10 anos fazendo vassouras, ganhando por unidade, e terminar a pena sem ter aprendido nada.”
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Situação de presídios no Brasil é vergonhosa, diz membro da CNDH
Fonte: Conselho Federal OAB
O quadro em que se encontram atualmente os presídios brasileiros, em todo o País, é de caos - e suas cores continuam desumanas. Este é o resumo de um balanço apresentado hoje (26) ao presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, pelo advogado Percílio de Sousa Lima Neto, vice-presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) do Conselho Federal da OAB. "Não se pode cuidar de direitos humanos sem lançar os olhos sobre a situação vergonhosa e escatológica dos presídios brasileiros", criticou Percílio durante a audiência com o presidente nacional da OAB.Vice-presidente também da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), do Ministério da Justiça, Percílio de Sousa Lima Neto tem percorrido o sistema carcerário de todo o País fazendo um levantamento para apresentar sugestões às autoridades brasileiras para reverter o quadro de calamidade em que ele se encontra. "A situação desses presídios é insustentável, chaga desumana que atenta contra os foros de nação civilizada do Estado brasileiro, que já responde por essas violações perante a Comissão de Direitos Humanos da OEA em Washington", sustentou o especialista a Cezar Britto. Em breve, Percílio apresentará à entidade um balanço completo do quadro caótico do sistema carcerário brasileiro.
O quadro em que se encontram atualmente os presídios brasileiros, em todo o País, é de caos - e suas cores continuam desumanas. Este é o resumo de um balanço apresentado hoje (26) ao presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, pelo advogado Percílio de Sousa Lima Neto, vice-presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) do Conselho Federal da OAB. "Não se pode cuidar de direitos humanos sem lançar os olhos sobre a situação vergonhosa e escatológica dos presídios brasileiros", criticou Percílio durante a audiência com o presidente nacional da OAB.Vice-presidente também da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), do Ministério da Justiça, Percílio de Sousa Lima Neto tem percorrido o sistema carcerário de todo o País fazendo um levantamento para apresentar sugestões às autoridades brasileiras para reverter o quadro de calamidade em que ele se encontra. "A situação desses presídios é insustentável, chaga desumana que atenta contra os foros de nação civilizada do Estado brasileiro, que já responde por essas violações perante a Comissão de Direitos Humanos da OEA em Washington", sustentou o especialista a Cezar Britto. Em breve, Percílio apresentará à entidade um balanço completo do quadro caótico do sistema carcerário brasileiro.
sábado, 21 de novembro de 2009
Rebeliões em presídios brasileiros matam mais que guerra no Iraque
As rebeliões e conflitos iniciados nessa sexta-feira em diversos estados brasileiros fez com que o Brasil superasse em número de mortos os conflitos e atentados na guerra do Iraque. Segundo as autoridades já foram registrados mais de 57 ataques a delegacias, carros e postos policiais só no estado de São Paulo. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, as rebeliões tiveram como estopim a transferência de 765 presos de diferentes facções criminosas de presídios paulistas para o presídio de Presidente Venceslau no oeste de SP. Dentre eles o chefe de uma das facções, Marcos Willians Camacho, o Marcola, responsável por uma onda de rebeliões ocorridos em 2001 que mataram 19 pessoas. Marcola foi transferido para a sede do Departamento Estadual de Investigações do Crime Organizado (Deic), onde seria interrogado. As séries de motins chamados de Violence Wave, pelos jornais internacionais, deixaram a população assustada. A PM afirma há muitos boatos e exageros.
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Presídios são verdadeira universidades do crime
Não é de hoje que, no Brasil, combate-se o crime por meio de práticas de igual calibre. E os delitos não cessam com a detenção dos infratores. As prisões e o tratamento dispensado aos detidos são de tal forma degradantes e desumanos que, em vez de recuperá-los para o convívio social — objetivo declarado das casas de correção do Estado —, os tornam ainda mais ferozes e pervertidos.
Não há triagens nas penitenciárias, o que submete detidos por delitos leves ao convívio com criminosos ferozes, transformando os presídios, sucursais do inferno, em verdadeiras universidades do crime. Sai-se de lá, em regra, bem pior do que se entrou.
Ilude-se quem supõe que é possível reduzir a criminalidade e construir-se a paz social mantendo-se depósitos de gado humano em penitenciárias. A violência, onde estiver sendo praticada, irradia-se por toda a sociedade que a patrocina.
Já no traçado arquitetônico dos presídios, com seus cubículos imundos, maus tratos físicos e morais, constata-se o desprezo pela condição humana. Percebe-se que não se teve em mente algo essencial e elementar: que o infrator, por maior que tenha sido o seu delito, é um ser humano — e, como tal, precisa ser tratado.
Na década dos 30 do século passado, o advogado Sobral Pinto invocou a Lei de Proteção dos Animais — nada menos! — para defender o líder comunista Luiz Carlos Prestes, preso em 1935, após mal-sucedida tentativa de insurreição política.
Sobral, católico e antípoda ideológico de Prestes, encontrou-o num vão de escada, sem espaço físico para caminhar, sem direito a banhos de sol, sem acesso a livros ou a qualquer outra forma de atividade. Nem um animal sobreviveria muito tempo a tal ambiente. A denúncia obrigou o governo a oferecer a Prestes condições menos inóspitas — embora ainda bem longe da ideal.
Isso, claro, em face da notoriedade que a denúncia obteve. Os que não têm tal privilégio apodrecem como carne em açougue.
De lá para cá, passados 74 anos, o que mudou. Nada. A OAB acaba de ser informada de nova abjeção nessa matéria, mostrando a inesgotável e sórdida imaginação criadora dos violadores dos direitos humanos. Trata-se das prisões-contêineres - caixas de estrutura metálica, sem janelas e sem ventilação, absolutamente inadequadas ao fim a que se destinam: abrigar o ser humano.
Em diversos estados da federação — entre outros, Espírito Santo, Pará e Santa Catarina, onde já foram denunciadas —, os presos são encaminhados a esses depósitos, em condições as mais abjetas, degradantes até mesmo para animais.
A simples existência de tais prisões já configura em si um delito hediondo, inominável, por parte do Estado, que tem o dever de zelar pela integridade e dignidade dos que mantém sob sua guarda.
Equipara-se a crime de tortura, de lesa-humanidade, que o Conselho Federal da OAB, perplexo e indignado, denuncia ao Governo Federal e à sociedade brasileira, na expectativa de que o corrija imediatamente e enquadre, nas penas da lei, de maneira exemplar, os responsáveis por sua implantação.
A OAB, nesses termos, encaminhou também essa denúncia aos fóruns internacionais competentes: Anistia Internacional, Organização das Nações Unidas e Corte Interamericana de Direitos Humanos, de San José da Costa Rica. Trata-se de escândalo insuportável, que merece o mais veemente repúdio da sociedade brasileira.
O Brasil não resolverá o desafio da violência enquanto continuar a tratar os seus infratores — face mais dramática da crise social —como animais. Ou por outra, pior que os animais. Basta comparar o padrão vigente nos zoológicos com o das penitenciárias.
Não há triagens nas penitenciárias, o que submete detidos por delitos leves ao convívio com criminosos ferozes, transformando os presídios, sucursais do inferno, em verdadeiras universidades do crime. Sai-se de lá, em regra, bem pior do que se entrou.
Ilude-se quem supõe que é possível reduzir a criminalidade e construir-se a paz social mantendo-se depósitos de gado humano em penitenciárias. A violência, onde estiver sendo praticada, irradia-se por toda a sociedade que a patrocina.
Já no traçado arquitetônico dos presídios, com seus cubículos imundos, maus tratos físicos e morais, constata-se o desprezo pela condição humana. Percebe-se que não se teve em mente algo essencial e elementar: que o infrator, por maior que tenha sido o seu delito, é um ser humano — e, como tal, precisa ser tratado.
Na década dos 30 do século passado, o advogado Sobral Pinto invocou a Lei de Proteção dos Animais — nada menos! — para defender o líder comunista Luiz Carlos Prestes, preso em 1935, após mal-sucedida tentativa de insurreição política.
Sobral, católico e antípoda ideológico de Prestes, encontrou-o num vão de escada, sem espaço físico para caminhar, sem direito a banhos de sol, sem acesso a livros ou a qualquer outra forma de atividade. Nem um animal sobreviveria muito tempo a tal ambiente. A denúncia obrigou o governo a oferecer a Prestes condições menos inóspitas — embora ainda bem longe da ideal.
Isso, claro, em face da notoriedade que a denúncia obteve. Os que não têm tal privilégio apodrecem como carne em açougue.
De lá para cá, passados 74 anos, o que mudou. Nada. A OAB acaba de ser informada de nova abjeção nessa matéria, mostrando a inesgotável e sórdida imaginação criadora dos violadores dos direitos humanos. Trata-se das prisões-contêineres - caixas de estrutura metálica, sem janelas e sem ventilação, absolutamente inadequadas ao fim a que se destinam: abrigar o ser humano.
Em diversos estados da federação — entre outros, Espírito Santo, Pará e Santa Catarina, onde já foram denunciadas —, os presos são encaminhados a esses depósitos, em condições as mais abjetas, degradantes até mesmo para animais.
A simples existência de tais prisões já configura em si um delito hediondo, inominável, por parte do Estado, que tem o dever de zelar pela integridade e dignidade dos que mantém sob sua guarda.
Equipara-se a crime de tortura, de lesa-humanidade, que o Conselho Federal da OAB, perplexo e indignado, denuncia ao Governo Federal e à sociedade brasileira, na expectativa de que o corrija imediatamente e enquadre, nas penas da lei, de maneira exemplar, os responsáveis por sua implantação.
A OAB, nesses termos, encaminhou também essa denúncia aos fóruns internacionais competentes: Anistia Internacional, Organização das Nações Unidas e Corte Interamericana de Direitos Humanos, de San José da Costa Rica. Trata-se de escândalo insuportável, que merece o mais veemente repúdio da sociedade brasileira.
O Brasil não resolverá o desafio da violência enquanto continuar a tratar os seus infratores — face mais dramática da crise social —como animais. Ou por outra, pior que os animais. Basta comparar o padrão vigente nos zoológicos com o das penitenciárias.
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Lotação máxima: Presídios brasileiros têm 200 mil detentos a mais
Lotação máxima: Presídios brasileiros têm 200 mil detentos a mais
por Lílian Matsuura
Os presídios brasileiros têm 420 mil detentos, 200 mil a mais do que o sistema carcerário comporta. Do total, 65% cumprem prisão temporária. E 70% são reincidentes. Os dados levantados pelo Ministério da Justiça foram apresentados pelo criminalista Luís Guilherme Vieira, em audiência pública organizada pelo IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) como parte da programação do 13º Seminário Internacional de Ciências Criminais promovido pelo Ibccrim.
“A culpa por esse quadro é do juiz que prende quando não deveria prender e não solta quando deveria soltar”, desabafa o advogado. Segundo ele, quase 45% dos presos estão em São Paulo. Um dos problemas apontados pelo criminalista é o fato de que durante 22 anos não houve promoção para o cargo de juiz de execução penal em São Paulo. Depois de tanto tempo, apenas um juiz entrou para a carreira. Enquanto isso, a execução penal foi comandada por juízes que ocupam o gabinete provisoriamente.
“As prisões temporárias passaram a ser uma coqueluche porque dão Ibope. Os direitos dos cidadãos que têm a sua foto estampada nos jornais não são respeitados”, alerta o criminalista.
Luís Guilherme Vieira arrancou aplausos da platéia ao disparar críticas também contra o Ministério Público. Ele disse que a maior parte das denúncias que chega ao Supremo Tribunal Federal é considerada inepta pelos ministros e, mesmo assim, existem 400 mil telefones no país grampeados com autorização judicial, a pedido do MP. O ministro Gilmar Mendes, árduo crítico do MP, fez um levantamento que demonstra a afirmação do advogado. Em 2006, o ministro calculou que, de cada dez denúncias levadas ao Supremo, oito são consideradas ineptas.
Uma parte do problema da lotação dos presídios brasileiros poderia ser resolvida com o fortalecimento da Defensoria Pública em todos os estados, segundo o criminalista. Vieira diz que o atual número de defensores está muito longe de poder suprir as necessidades dos presos, mesmo com o complemento da assistência jurídica feita por advogados do convênio entre Estado e OAB. Para ele, estes advogados não costumam fazer um bom trabalho.
Luta contra o crime
A audiência pública promovida pelo IDDD teve o objetivo de discutir se o juiz tem compromisso com a luta contra o crime. Para expor as suas opiniões, além de Luís Guilherme Vieira, foram convidados o juiz federal Fernando Moreira Gonçalves e o promotor Rodrigo de Grandis.
O criminalista Arnaldo Malheiros Filho, que coordenou a mesa de debates, abriu o encontro dizendo que o juiz não pode abrir mão da sua independência e fazer parte do processo. “O magistrado não pode pensar os caminhos da investigação”.
Fernando Gonçalves seguiu a mesma linha. Ele afirmou que o juiz não pode ter compromisso com o Ministério Público nem com a Polícia. “Sua legitimidade para decidir está justamente na imparcialidade. Caso contrário, o réu estaria em desvantagem”, garante. Ao mesmo tempo, ele defendeu que o juiz não pode servir apenas para chancelar os pedidos dos órgãos de persecução penal. Ele deve trabalhar pela efetividade do processo: determinar a produção de provas quando necessário e adotar medidas para que a ação seja julgada em tempo razoável, sem receio de desagradar quem quer que seja. Para Gonçalves, a atuação tem de ser “pró-ativa, com parcimônia”.
O promotor Rodrigo de Grandis tem também essa opinião. A imparcialidade do juiz é uma condição sine qua non para uma efetiva prestação jurisdicional. Para ele, a função do juiz é servir de ponto de equilíbrio entre os direitos do réu e o processo de acusação. “O compromisso do juiz é com a lei e o Direito”, lembrou.
O advogado Luís Guilherme Vieira entende que a luta contra o crime é dever de todos os cidadãos e do Estado. E o juiz ao decidir deve observar a dignidade e o respeito aos direitos individuais.
Revista Consultor Jurídico, 10 de outubro de 2007
por Lílian Matsuura
Os presídios brasileiros têm 420 mil detentos, 200 mil a mais do que o sistema carcerário comporta. Do total, 65% cumprem prisão temporária. E 70% são reincidentes. Os dados levantados pelo Ministério da Justiça foram apresentados pelo criminalista Luís Guilherme Vieira, em audiência pública organizada pelo IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) como parte da programação do 13º Seminário Internacional de Ciências Criminais promovido pelo Ibccrim.
“A culpa por esse quadro é do juiz que prende quando não deveria prender e não solta quando deveria soltar”, desabafa o advogado. Segundo ele, quase 45% dos presos estão em São Paulo. Um dos problemas apontados pelo criminalista é o fato de que durante 22 anos não houve promoção para o cargo de juiz de execução penal em São Paulo. Depois de tanto tempo, apenas um juiz entrou para a carreira. Enquanto isso, a execução penal foi comandada por juízes que ocupam o gabinete provisoriamente.
“As prisões temporárias passaram a ser uma coqueluche porque dão Ibope. Os direitos dos cidadãos que têm a sua foto estampada nos jornais não são respeitados”, alerta o criminalista.
Luís Guilherme Vieira arrancou aplausos da platéia ao disparar críticas também contra o Ministério Público. Ele disse que a maior parte das denúncias que chega ao Supremo Tribunal Federal é considerada inepta pelos ministros e, mesmo assim, existem 400 mil telefones no país grampeados com autorização judicial, a pedido do MP. O ministro Gilmar Mendes, árduo crítico do MP, fez um levantamento que demonstra a afirmação do advogado. Em 2006, o ministro calculou que, de cada dez denúncias levadas ao Supremo, oito são consideradas ineptas.
Uma parte do problema da lotação dos presídios brasileiros poderia ser resolvida com o fortalecimento da Defensoria Pública em todos os estados, segundo o criminalista. Vieira diz que o atual número de defensores está muito longe de poder suprir as necessidades dos presos, mesmo com o complemento da assistência jurídica feita por advogados do convênio entre Estado e OAB. Para ele, estes advogados não costumam fazer um bom trabalho.
Luta contra o crime
A audiência pública promovida pelo IDDD teve o objetivo de discutir se o juiz tem compromisso com a luta contra o crime. Para expor as suas opiniões, além de Luís Guilherme Vieira, foram convidados o juiz federal Fernando Moreira Gonçalves e o promotor Rodrigo de Grandis.
O criminalista Arnaldo Malheiros Filho, que coordenou a mesa de debates, abriu o encontro dizendo que o juiz não pode abrir mão da sua independência e fazer parte do processo. “O magistrado não pode pensar os caminhos da investigação”.
Fernando Gonçalves seguiu a mesma linha. Ele afirmou que o juiz não pode ter compromisso com o Ministério Público nem com a Polícia. “Sua legitimidade para decidir está justamente na imparcialidade. Caso contrário, o réu estaria em desvantagem”, garante. Ao mesmo tempo, ele defendeu que o juiz não pode servir apenas para chancelar os pedidos dos órgãos de persecução penal. Ele deve trabalhar pela efetividade do processo: determinar a produção de provas quando necessário e adotar medidas para que a ação seja julgada em tempo razoável, sem receio de desagradar quem quer que seja. Para Gonçalves, a atuação tem de ser “pró-ativa, com parcimônia”.
O promotor Rodrigo de Grandis tem também essa opinião. A imparcialidade do juiz é uma condição sine qua non para uma efetiva prestação jurisdicional. Para ele, a função do juiz é servir de ponto de equilíbrio entre os direitos do réu e o processo de acusação. “O compromisso do juiz é com a lei e o Direito”, lembrou.
O advogado Luís Guilherme Vieira entende que a luta contra o crime é dever de todos os cidadãos e do Estado. E o juiz ao decidir deve observar a dignidade e o respeito aos direitos individuais.
Revista Consultor Jurídico, 10 de outubro de 2007
domingo, 15 de novembro de 2009
“Presídios brasileiros não servem nem para bichos", afirma deputado
Presídios brasileiros não servem nem para bichos", afirma deputado
- Aproximadamente 14 estados brasileiros serão denunciados na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário. A informação foi divulgada pelo presidente da Comissão e responsável pelo relatório, deputado Neucimar Fraga (PR-ES). A CPI que denuncia a falha nos sistemas prisionais destas unidades federativas deve resultar na criação de um Estatuto Penitenciário. O Estatuto irá estabelecer regras e penas para os agentes penitenciários, estado, juízes e promotores que não cumprirem a lei. Ratos em celas de presídios, refeições sendo servidas em sacos plásticos e esgoto a céu aberto foram algumas das situações encontradas pelos integrantes da CPI. As visitas foram realizadas em 60 estabelecimentos prisionais do país ao longo de oito meses. Segundo o relator da comissão, o deputado Domingo Dutra (PT-MA), “grande parte dos presídios visitados não serve nem para bichos".A Comissão optou, no entanto, por não responsabilizar os secretários estaduais responsáveis pela área prisional. O motivo foi porque muitos haviam assumido o cargo pouco tempo antes da visita dos membros Comissão. Os novos números do Ministério da Justiça atestam a precariedade do sistema carcerário. Segundo o órgão, a cada dia entram aproximadamente 200 presos a mais do que os que saem das mais de 1.1 mil prisões espalhadas pelo Brasil. Ao todo, faltam aproximadamente 185 mil vagas. O próprio diretor Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Maurício Kuehne, admitiu que é necessário uma mudança radical no modelo de segurança pública.
- Aproximadamente 14 estados brasileiros serão denunciados na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário. A informação foi divulgada pelo presidente da Comissão e responsável pelo relatório, deputado Neucimar Fraga (PR-ES). A CPI que denuncia a falha nos sistemas prisionais destas unidades federativas deve resultar na criação de um Estatuto Penitenciário. O Estatuto irá estabelecer regras e penas para os agentes penitenciários, estado, juízes e promotores que não cumprirem a lei. Ratos em celas de presídios, refeições sendo servidas em sacos plásticos e esgoto a céu aberto foram algumas das situações encontradas pelos integrantes da CPI. As visitas foram realizadas em 60 estabelecimentos prisionais do país ao longo de oito meses. Segundo o relator da comissão, o deputado Domingo Dutra (PT-MA), “grande parte dos presídios visitados não serve nem para bichos".A Comissão optou, no entanto, por não responsabilizar os secretários estaduais responsáveis pela área prisional. O motivo foi porque muitos haviam assumido o cargo pouco tempo antes da visita dos membros Comissão. Os novos números do Ministério da Justiça atestam a precariedade do sistema carcerário. Segundo o órgão, a cada dia entram aproximadamente 200 presos a mais do que os que saem das mais de 1.1 mil prisões espalhadas pelo Brasil. Ao todo, faltam aproximadamente 185 mil vagas. O próprio diretor Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Maurício Kuehne, admitiu que é necessário uma mudança radical no modelo de segurança pública.
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
DNA não impede que inocentes continuem presos
Economist diz que o teste de DNA está mudando a forma como os EUA combatem o crime, mas não suas políticas em relação aos condenados.
O uso do DNA em julgamentos está crescendo rapidamente no país. Mas há quem não se beneficie dessa prática, como as pessoas que podem ter sido condenadas injustamente antes de o teste de DNA se tornar um exame de rotina, e às quais vêm sendo negado o acesso a uma prova científica que poderia inocentá-las.
Desde que o Congresso dos EUA aprovou uma lei conhecida como “DNA Fingerprint”, em 2005, autoridades vêm coletando amostras de DNA de todos os que são presos ou detidos — uma prática que vem, inclusive, ajudando em prisões e condenações referentes a casos arquivados.
Em três estados norte-americanos (Alasca, Massachusetts e Oklahoma), no entanto, a lei veda aos condenados o direito de fazer exames de DNA. Inúmeros outros estados permitem o teste de DNA apenas em determinadas circunstâncias. Kentucky, por exemplo, restringe a prática a condenados à morte.
O uso do DNA em julgamentos está crescendo rapidamente no país. Mas há quem não se beneficie dessa prática, como as pessoas que podem ter sido condenadas injustamente antes de o teste de DNA se tornar um exame de rotina, e às quais vêm sendo negado o acesso a uma prova científica que poderia inocentá-las.
Desde que o Congresso dos EUA aprovou uma lei conhecida como “DNA Fingerprint”, em 2005, autoridades vêm coletando amostras de DNA de todos os que são presos ou detidos — uma prática que vem, inclusive, ajudando em prisões e condenações referentes a casos arquivados.
Em três estados norte-americanos (Alasca, Massachusetts e Oklahoma), no entanto, a lei veda aos condenados o direito de fazer exames de DNA. Inúmeros outros estados permitem o teste de DNA apenas em determinadas circunstâncias. Kentucky, por exemplo, restringe a prática a condenados à morte.
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Inocente passa metade da vida preso
Inocente passa metade da vida preso
Rute Coelho
Robert King passou 31 anos na prisão por um crime que não cometeu. Foi libertado em Fevereiro do ano passado, está a escrever uma biografia e anda a correr mundo com o seu testemunho de resistência.
Robert King, norte-americano, completou 60 anos na quinta-feira passada. Metade da sua vida foi passada na prisão, em condições deploráveis. Cumpriu 3l anos de cadeia por um crime que não cometeu, 29 deles em regime de solitária, encarcerado 23 horas por dia, numa das prisões mais abjectas dos Estados Unidos, chamada "Angola", no estado do Louisiana.
Vai estar em Portugal até terça-feira, seguindo depois para a Holanda, onde prosseguirá o seu périplo europeu, contando a quem o quiser ouvir, o seu impressionante testemunho de resistência. Está também a escrever uma biografia.
Robert King nasceu em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, em New Orleans, no sul da América, onde o racismo era lei. Em 1970, Robert King estava casado, tinha um filho com quatro anos - que mais tarde acabou por morrer com um tumor cerebral - quando é preso durante uma investigação a um assalto à mão armada.
O facto de já ter cadastro e ainda por cima ser negro ditou a sua sorte. "A descrição que a vítima fez do autor do assalto era de uma pessoa que nada tinha a ver comigo", afirmou ao "24 horas". "Um advogado aconselhou-me a considerar-me culpado porque assim só apanhava 15 anos. Recusei. Acabei por ser condenado a 35 anos de prisão".
"Fugi e 25 vieram comigo"
King foi colocado numa prisão de segurança máxima em New Orleans, a sua terra natal, onde ficaria a aguardar a transferência para a terrífica "Angola", prisão do Louisiana onde a maioria dos presos eram negros e que é na realidade uma plantação - em tempos trabalhada por escravos oriundos na sua maioria de Angola.
"Fugi da prisão de New Orleans e 25 pessoas vieram comigo", conta, soltando uma gargalhada. A liberdade durou poucas semanas. Foi apanhado e condenado a mais oito anos de prisão por ter tentado fugir. A pena já ia em 43 anos de cárcere.
Na cadeia, aderiu ao Partido dos Panteras Negras, para combater a opressão e lutar por presos que "são tratados como escravos". Passou 29 anos na solitária. "Quando tinha uma visita, ia algemado nas mãos e nos pés", conta. "Fiz muita meditação. Era como um desafio, tinha de sobreviver".
E conseguiu. Em Fevereiro de 2001, Robert King foi libertado. A justiça americana rendeu-se: King não poderia ter cometido o assalto porque nem sequer estava no local, à hora do crime.
Soltem os prisioneiros
Robert King anda a fazer campanha pela libertação de dois outros "panteras negras", Herman Wallace e Albert Woodfox, seus companheiros na prisão de New Orleans em "Angola". Os dois homens já vão em mais de 30 anos de cativeiro. "As pessoas que lutaram por nós e leram os casos perceberam que fomos presos por motivos políticos", disse King. Dois dos interessados no caso de Robert King são portugueses: o artista plástico Rigo, que nos últimos anos tem trabalhado nos Estados Unidos e o seu amigo Rui Zink, escritor, que custeou a viagem do activista norte-americano ao nosso país.
Rute Coelho
Robert King passou 31 anos na prisão por um crime que não cometeu. Foi libertado em Fevereiro do ano passado, está a escrever uma biografia e anda a correr mundo com o seu testemunho de resistência.
Robert King, norte-americano, completou 60 anos na quinta-feira passada. Metade da sua vida foi passada na prisão, em condições deploráveis. Cumpriu 3l anos de cadeia por um crime que não cometeu, 29 deles em regime de solitária, encarcerado 23 horas por dia, numa das prisões mais abjectas dos Estados Unidos, chamada "Angola", no estado do Louisiana.
Vai estar em Portugal até terça-feira, seguindo depois para a Holanda, onde prosseguirá o seu périplo europeu, contando a quem o quiser ouvir, o seu impressionante testemunho de resistência. Está também a escrever uma biografia.
Robert King nasceu em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, em New Orleans, no sul da América, onde o racismo era lei. Em 1970, Robert King estava casado, tinha um filho com quatro anos - que mais tarde acabou por morrer com um tumor cerebral - quando é preso durante uma investigação a um assalto à mão armada.
O facto de já ter cadastro e ainda por cima ser negro ditou a sua sorte. "A descrição que a vítima fez do autor do assalto era de uma pessoa que nada tinha a ver comigo", afirmou ao "24 horas". "Um advogado aconselhou-me a considerar-me culpado porque assim só apanhava 15 anos. Recusei. Acabei por ser condenado a 35 anos de prisão".
"Fugi e 25 vieram comigo"
King foi colocado numa prisão de segurança máxima em New Orleans, a sua terra natal, onde ficaria a aguardar a transferência para a terrífica "Angola", prisão do Louisiana onde a maioria dos presos eram negros e que é na realidade uma plantação - em tempos trabalhada por escravos oriundos na sua maioria de Angola.
"Fugi da prisão de New Orleans e 25 pessoas vieram comigo", conta, soltando uma gargalhada. A liberdade durou poucas semanas. Foi apanhado e condenado a mais oito anos de prisão por ter tentado fugir. A pena já ia em 43 anos de cárcere.
Na cadeia, aderiu ao Partido dos Panteras Negras, para combater a opressão e lutar por presos que "são tratados como escravos". Passou 29 anos na solitária. "Quando tinha uma visita, ia algemado nas mãos e nos pés", conta. "Fiz muita meditação. Era como um desafio, tinha de sobreviver".
E conseguiu. Em Fevereiro de 2001, Robert King foi libertado. A justiça americana rendeu-se: King não poderia ter cometido o assalto porque nem sequer estava no local, à hora do crime.
Soltem os prisioneiros
Robert King anda a fazer campanha pela libertação de dois outros "panteras negras", Herman Wallace e Albert Woodfox, seus companheiros na prisão de New Orleans em "Angola". Os dois homens já vão em mais de 30 anos de cativeiro. "As pessoas que lutaram por nós e leram os casos perceberam que fomos presos por motivos políticos", disse King. Dois dos interessados no caso de Robert King são portugueses: o artista plástico Rigo, que nos últimos anos tem trabalhado nos Estados Unidos e o seu amigo Rui Zink, escritor, que custeou a viagem do activista norte-americano ao nosso país.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Caso dos presos inocentes será acompanhado por secretaria de direitos humanos
Caso dos presos inocentes será acompanhado por secretaria de direitos humanos
Extraído de: Última Instância - 05 de Setembro de 2008
A SEDH (Secretaria Especial dos Direitos Humanos) vai acompanhar o caso dos três homens que ficaram presos durante dois anos no Centro de Detenção Provisória de Guarulhos (SP) por um crime que foi confessado na semana passada por outra pessoa.
Links Patrocinados
Renato Correia de Brito, William César de Brito Silva e Wagner Conceição da Silva alegam que confessaram ao assassinato de Vanessa Batista de Freitas porque foram torturados por policiais.
Na semana passada, ao prender Leandro Basílio Rodrigues, conhecido como Maníaco de Guarulhos, a polícia descobriu que eles eram inocentes. Rodrigues confessou espontaneamente que matou Vanessa e revelou detalhes do crime.
A secretaria informou que requisitou à ouvidoria da polícia paulista uma cópia integral do inquérito policial; uma cópia do registro de ocorrência da Polícia Militar contendo informações sobre data e horário da prisão e nomes dos policiais que fizeram o registro; cópia do laudo médico que não atestou os sinais de tortura; cópia de outras denúncias envolvendo os mesmos policiais e dos procedimentos apuratórios instaurados pelos órgãos corregedores da polícia.
Segundo nota da secretaria, também foi requisitada cópia dos autos do processo ao Ministério Público.
Em nota, a secretaria diz que pretende acompanhar o caso por meio da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos e que está à disposição dos jovens e das famílias para as providências necessárias. "A ouvidoria acompanhará todos os procedimentos policiais e judiciais referentes ao caso, instando as autoridades a combater a impunidade", diz a nota.
Em São Paulo, o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) pediu nesta quinta-feira (4/9) às Corregedorias do Tribunal de Justiça e do Ministério Público para apurar se, na época em que os três jovens foram presos, "os juízes e promotores que atuaram no processo tomaram todas as providências necessárias visando à total elucidação do caso, especialmente com relação ao fato de os acusados terem sido torturados por policiais civis e militares para que confessassem os crimes pelos quais estavam sendo acusados".
O Condepe também pediu ao secretário de Justiça e Defesa da Cidadania do estado, Luiz Antonio Marrey, que os três jovens sejam indenizados e sugeriu ao secretário de Segurança Pública, Ronaldo Marzagão, que os policiais sejam afastados até a apuração dos fatos.
Extraído de: Última Instância - 05 de Setembro de 2008
A SEDH (Secretaria Especial dos Direitos Humanos) vai acompanhar o caso dos três homens que ficaram presos durante dois anos no Centro de Detenção Provisória de Guarulhos (SP) por um crime que foi confessado na semana passada por outra pessoa.
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Renato Correia de Brito, William César de Brito Silva e Wagner Conceição da Silva alegam que confessaram ao assassinato de Vanessa Batista de Freitas porque foram torturados por policiais.
Na semana passada, ao prender Leandro Basílio Rodrigues, conhecido como Maníaco de Guarulhos, a polícia descobriu que eles eram inocentes. Rodrigues confessou espontaneamente que matou Vanessa e revelou detalhes do crime.
A secretaria informou que requisitou à ouvidoria da polícia paulista uma cópia integral do inquérito policial; uma cópia do registro de ocorrência da Polícia Militar contendo informações sobre data e horário da prisão e nomes dos policiais que fizeram o registro; cópia do laudo médico que não atestou os sinais de tortura; cópia de outras denúncias envolvendo os mesmos policiais e dos procedimentos apuratórios instaurados pelos órgãos corregedores da polícia.
Segundo nota da secretaria, também foi requisitada cópia dos autos do processo ao Ministério Público.
Em nota, a secretaria diz que pretende acompanhar o caso por meio da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos e que está à disposição dos jovens e das famílias para as providências necessárias. "A ouvidoria acompanhará todos os procedimentos policiais e judiciais referentes ao caso, instando as autoridades a combater a impunidade", diz a nota.
Em São Paulo, o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) pediu nesta quinta-feira (4/9) às Corregedorias do Tribunal de Justiça e do Ministério Público para apurar se, na época em que os três jovens foram presos, "os juízes e promotores que atuaram no processo tomaram todas as providências necessárias visando à total elucidação do caso, especialmente com relação ao fato de os acusados terem sido torturados por policiais civis e militares para que confessassem os crimes pelos quais estavam sendo acusados".
O Condepe também pediu ao secretário de Justiça e Defesa da Cidadania do estado, Luiz Antonio Marrey, que os três jovens sejam indenizados e sugeriu ao secretário de Segurança Pública, Ronaldo Marzagão, que os policiais sejam afastados até a apuração dos fatos.
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
A Bélgica alugou celas de prisão à Holanda.
A Bélgica alugou celas de prisão à Holanda.
Uma iniciativa inédita na Europa que visa fazer face à sobrepopulação prisional.
O ministro da Justiça belga e o secretário de Estado holandês da Justiça assinaram hoje um acordo válido por três anos.
O documento deverá ser ratificado pelos parlamentos dos dois países e prevê a transferência de quinhentos presos para cinco prisões. Mas, antes, será necessário acertar detalhes práticos.
O director da prisão holandesa de Tilburg afirma que “é preciso discutir a questão das horas de visita já que na Bélgica os detidos podem receber visitas três vezes por semana enquanto na Holanda, só uma vez”.
Na Bélgica, há mais de dez mil pessoas a cumprir penas de prisão em estabelecimentos onde cabem no máximo 8400 pessoas.
Só este ano, as autoridades registaram quarenta fugas de estabelecimentos prisionais.
Uma situação que gerou protestos por parte da população.
O acordo bilateral exclui a transferência de presos que possam representar um risco para a sociedade.
Uma iniciativa inédita na Europa que visa fazer face à sobrepopulação prisional.
O ministro da Justiça belga e o secretário de Estado holandês da Justiça assinaram hoje um acordo válido por três anos.
O documento deverá ser ratificado pelos parlamentos dos dois países e prevê a transferência de quinhentos presos para cinco prisões. Mas, antes, será necessário acertar detalhes práticos.
O director da prisão holandesa de Tilburg afirma que “é preciso discutir a questão das horas de visita já que na Bélgica os detidos podem receber visitas três vezes por semana enquanto na Holanda, só uma vez”.
Na Bélgica, há mais de dez mil pessoas a cumprir penas de prisão em estabelecimentos onde cabem no máximo 8400 pessoas.
Só este ano, as autoridades registaram quarenta fugas de estabelecimentos prisionais.
Uma situação que gerou protestos por parte da população.
O acordo bilateral exclui a transferência de presos que possam representar um risco para a sociedade.
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
ONG holandesa faz site de encontros para presos
ONG holandesa faz site de encontros para presos
Para organização, chance de reincidência após soltura é menor se presos tiverem relação de casal.
Da BBC
Os presos holandeses, que já tinham direito garantido a duas refeições quentes e uma hora de ginástica por dia, cela equipada com televisão, rádio, aparelho de som e roupa de cama limpa, agora contam também com um serviço para ajudá-los a encontrar parceiros amorosos.
A iniciativa é de uma organização não governamental local chamada Bonjo, que se dedica a defender os direitos da população carcerária do país e que agora está também fazendo o papel de cupido.
"Muitos se queixam de que não nos preocupamos com eles, mas em algum momento terão que sair da prisão. Estamos convencidos de que, se conseguirem uma relação de casal, poderão ficar longe da Justiça", disse à BBC Nico Epskamp, da Bonjo.
"Alguns perderam o contato com o mundo exterior e não têm nenhuma motivação para não cometer novos crimes. É necessário dar a eles uma nova oportunidade", afirmou Epskamp.
A ONG criou um site para cadastrar tanto homens quanto mulheres interessados em manter um encontro atrás das grades.
Mas ao contrário de outros serviços de encontros, os cadastrados não têm contato direto, mas passam pelo filtro da ONG antes.
Ladrões e traficantes
Segundo o último balanço da Bonjo, os 500 criminosos que se cadastraram no site receberam cerca de 1.500 respostas.
As respostas vêm em sua maioria de mulheres com idades entre 23 e 50 anos e que manifestaram um interesse principalmente em ladrões, traficantes de drogas ou sujeitos em prisão preventiva.
Mas o site também oferece encontros com fraudadores, assassinos e traficantes de mulheres.
Segundo Epskamp, porém, são as mulheres criminosas de origem estrangeira as que têm maior popularidade no serviço.
Entre elas está a equatoriana Estelita, de 38 anos, condenada por tráfico de drogas.
"Sou morena, educada e simpática, e procuro rapazes de 40 anos ou mais. Estou na prisão por drogas e porque me obrigaram. Queridos amigos, espero receber rapidamente mensagens de vocês", diz ela em seu perfil.
Mas organizações dedicadas à proteção das vítimas de exploração sexual temem que o serviço se transforme em uma plataforma para os traficantes de mulheres.
Para organização, chance de reincidência após soltura é menor se presos tiverem relação de casal.
Da BBC
Os presos holandeses, que já tinham direito garantido a duas refeições quentes e uma hora de ginástica por dia, cela equipada com televisão, rádio, aparelho de som e roupa de cama limpa, agora contam também com um serviço para ajudá-los a encontrar parceiros amorosos.
A iniciativa é de uma organização não governamental local chamada Bonjo, que se dedica a defender os direitos da população carcerária do país e que agora está também fazendo o papel de cupido.
"Muitos se queixam de que não nos preocupamos com eles, mas em algum momento terão que sair da prisão. Estamos convencidos de que, se conseguirem uma relação de casal, poderão ficar longe da Justiça", disse à BBC Nico Epskamp, da Bonjo.
"Alguns perderam o contato com o mundo exterior e não têm nenhuma motivação para não cometer novos crimes. É necessário dar a eles uma nova oportunidade", afirmou Epskamp.
A ONG criou um site para cadastrar tanto homens quanto mulheres interessados em manter um encontro atrás das grades.
Mas ao contrário de outros serviços de encontros, os cadastrados não têm contato direto, mas passam pelo filtro da ONG antes.
Ladrões e traficantes
Segundo o último balanço da Bonjo, os 500 criminosos que se cadastraram no site receberam cerca de 1.500 respostas.
As respostas vêm em sua maioria de mulheres com idades entre 23 e 50 anos e que manifestaram um interesse principalmente em ladrões, traficantes de drogas ou sujeitos em prisão preventiva.
Mas o site também oferece encontros com fraudadores, assassinos e traficantes de mulheres.
Segundo Epskamp, porém, são as mulheres criminosas de origem estrangeira as que têm maior popularidade no serviço.
Entre elas está a equatoriana Estelita, de 38 anos, condenada por tráfico de drogas.
"Sou morena, educada e simpática, e procuro rapazes de 40 anos ou mais. Estou na prisão por drogas e porque me obrigaram. Queridos amigos, espero receber rapidamente mensagens de vocês", diz ela em seu perfil.
Mas organizações dedicadas à proteção das vítimas de exploração sexual temem que o serviço se transforme em uma plataforma para os traficantes de mulheres.
terça-feira, 3 de novembro de 2009
DIREITOS HUMANOS NO BRASIL: EXCLUSÃO DOS DETENTOS
A dignidade do detento
O apóstolo Paulo de Tarso, em Carta aos Hebreus, diz: "Lembrem-se dos presos como se vocês estivessem na prisão com eles. Lembrem-se dos que são torturados, pois vocês também têm um corpo"[1].
Esta importante lembrança cristã se choca com um antigo preceito que domina a nossa sociedade: “preso bom é preso morto”. Infelizmente, a sociedade encontra-se doente, imersa em estigmas que ela própria criou, frutos de uma educação falha e depreciativa em certos casos. A sociedade brasileira perdeu – se é que um dia realmente deteve – sua auto-estima. Não existe mais orgulho em ser brasileiro, salvo em vitórias desportivas onde o ego do brasileiro é preenchido por uma medalha no peito de um atleta que o representa. Ser brasileiro é viver intensamente cada segundo deste país, não apenas se alegrando nas eventuais conquistas do esporte, mas em todos os momentos da vida desta nação. Há 500 anos a cultura desta nação começou a se formar, mas ainda hoje não podemos afirmar, categoricamente, o que é ser brasileiro. Ao contrário de nos orgulharmos, ser brasileiro passou a ser o reflexo do pensamento errôneo que os estrangeiros, principalmente europeus e americanos, nutrem a nosso respeito: “brasileiro é ladrão, é malandro, é bandido”. Estes povos não têm culpa de pensar assim. A culpa é nossa porque deixamos que eles pensem assim. Ao invés de vendermos a imagem de um povo heróico, possuidor de um braço forte, como quer nosso hino, permitimos que o Brasil seja visto como a terra das desigualdades. E, pior que isso, nós acabamos importando de volta a imagem que vendemos, daí o porquê de tanto preconceito que o brasileiro sente em relação a si mesmo, julgando que tudo o que vem de fora do país é melhor. Isso pode existir, mas não é uma regra. Qualquer país do mundo é passível de acertar e errar. E a imagem de que todo bandido merece morrer está intimamente ligada a este estigma que nós próprios criamos contra nós mesmos. Ao mesmo tempo, por ser bandido, à luz do preconceito social, o indivíduo perde todos os seus direitos à dignidade e civilidade. O reflexo deste pensamento se dá, hoje, na horrível condição pessoal em que se encontram os detentos de nosso país, jogados e esquecidos “nas masmorras” do desrespeito, esquecendo-se eles próprios de que são seres humanos. O resultado não poderia ser diferente: ao invés de se reabilitar, o detido passa a nutrir um ódio cada vez maior pela sociedade que o colocou ali. Em sua mente, movido pela força natural de seu raciocínio, a sociedade não lhe deu emprego, educação ou qualquer condição que lhe garantisse a subsistência. O crime que cometeu foi motivado pela própria sociedade e ele não o teria praticado se esta mesma sociedade não lhe tivesse motivado. Os presos precisam de ajuda, de respeito, apoio físico e psíquico para terem esperança de recuperarem sua moral, a paz de seu espírito e o reeqüilíbrio social. Infelizmente, não é o que acontece nas penitenciárias deste país.
A lei penal e as formas de sua aplicação devem atender às exigências da vida pessoal e social de cada condenado e mesmo daqueles detidos provisoriamente. Para isso, são necessários critérios para que se alcance o desenvolvimento social capaz de acabar, de uma vez por todas, com a idéia de que “preso bom é preso morto”, um pensamento de exclusão absoluta destes indivíduos que lhes nega toda e qualquer forma de dignidade porque hoje se encontram isolados da sociedade. Não é, simplesmente, isolando estas pessoas que se garantirá a ordem social, pois um dia, grande parte deles se reintegrará novamente à comunidade. A questão é reformar os valores ético-morais de nosso povo, despertando sua consciência para o fato de que qualquer nação só se faz grande a partir do respeito à dignidade de seus filhos, sejam eles livres ou detidos em sua liberdade.
O sistema carcerário no Brasil, hoje, está falido. Mudanças radicais neste sistema se fazem urgentes, pois as penitenciárias se transformaram em verdadeiras “usinas de revolta humana”, uma bomba-relógio que o judiciário brasileiro criou no passado a partir de uma legislação que hoje não pode mais ser vista como modelo primordial para a carceragem no país. Ocorre a necessidade de modernização da arquitetura penitenciária, a sua descentralização com a construção de novas cadeias pelos municípios, ampla assistência jurídica, melhoria de assistência médica, psicológica e social, ampliação dos projetos visando o trabalho do preso e a ocupação de sua mente-espírito, separação entre presos primários e reincidentes, acompanhamento na sua reintegração à vida social, bem como oferecimento de garantias de seu retorno ao mercado de trabalho entre outras medidas são algumas boas medidas para desarmar esta bomba.
Nosso país é profundamente desigual, começando pela concentração de renda. Somado a isso, negros, mulatos e pobres não têm oportunidades de subsistência, partindo para a criminalidade. O resultado, visível por todos nós neste limiar do século XXI é um Brasil injusto, doente e desacreditado. Estes fatos já fazem parte da tradição brasileira, e hoje ocorre uma espécie de banalidade em relação às desigualdades, como se o próprio povo estivesse “acostumado” com aquilo que vê e observa, sem perceber que ele figura, tanto como sujeito ativo desta situação, como sujeito passivo, vítima futura de sua própria negligência. E esta tradição impregnou todos os setores da vida brasileira, sendo a mais notória delas o descumprimento das normas no Brasil. Os presos estão nas penitenciárias porque descumpriram a lei. Mas esquecemos que algo deve ser feito com aqueles que, da mesma forma, descumprem a lei que beneficia os presos a uma vida mais digna e humana. O mesmo esquecimento do preceito que o apóstolo, dois mil anos atrás, tentou nos alertar.
As penitenciárias brasileiras
Não é novidade nenhuma que as condições de detenção e prisão no sistema carcerário brasileiro violam os direitos humanos, fomentando diversas situações de rebelião onde, na maioria das vezes, as autoridades agem com descaso, quando não com excesso de violência contra os presos. A Constituição Federal prevê, em seu artigo 5°, inciso XLIX, a salvaguarda da integridade física e moral dos presos, dispositivo raramente respeitado pelo nosso sistema carcerário.
Chamar nossas cadeias e penitenciárias de prisões é um elogio desmerecido. O que existe no Brasil são verdadeiras masmorras, depósitos humanos de excluídos formalmente separados dos “presos desviados”, ou seja, aqueles “bons cidadãos” que por uma razão ou outra cometeram um “equívoco” e tiveram sua liberdade privada. São os chamados “presos especiais”, com direito a regalias como comida especial, televisão, jornais, revistas e outras regalias que não cabem ao denominado “povão”.
Segundo dados do IBGE, de 1994, sobre a situação carcerária em nosso país, dos 297 estabelecimentos penais existentes no Brasil até aquela data, 175 se encontravam em situação precária e 32 em construção. A população carcerária girava em torno dos 130 mil presos, dos quais 96,31% eram homens e 3,69% eram mulheres. Quanto aos motivos da detenção, 51% dos presos cometeram furto ou roubo, 17% homicídio, 10% tráfico de drogas e o restante outros delitos. O mesmo instituto divulgou nesta pesquisa que 95% dos presos são indigentes e 97% são analfabetos ou semi-analfabetos. A reincidência na população penal é de 85%, o que demonstra que as penitenciárias não estão desempenhando a função de reabilitação dos detentos.
As causas de tanta desigualdade dentro das prisões brasileiras é muito simples: faltam recursos para oferecer dignidade aos detentos, seja por meio de melhores condições de saúde, higiene e espaço dentro das instalações. Vejamos, rapidamente, alguns destes tópicos que transformam nossas cadeias em verdadeiras fábricas de desumanidade:
a. Superlotação
Estima-se que a capacidade de nossas penitenciárias é de pouco mais de 54.000 vagas. A população carcerária em nosso país está em torno de 130 mil internos, verificando-se que ainda faltam 75 mil vagas para comportar de forma mais humana todo este contingente. Como este excesso precisa ser relocado de qualquer forma, cada vaga está sendo ocupada, em média, por 2,15 presos. Neste sentido, o Brasil carece, hoje, de pelo menos 150 novos presídios para aliviar a pressão das demais penitenciárias existentes. Entretanto, estes dados não são confiáveis, pois alguns setores extra-oficiais que trabalham de perto com o sistema carcerário, afirmam que algumas vagas vêm sendo ocupadas por cerca de cinco ou seis presos, o que configura nossas cadeias como “depósitos de presos”. A superpopulação gera os mais preocupantes efeitos, como promiscuidade, falta de higiene, comodidade etc. Em alguns Estados, devido à superlotação das delegacias de polícia ou pequenas cadeias públicas, muitas mulheres são colocadas em celas masculinas e terminam estupradas.
Se lembrarmos que algumas celas possuem apenas 12 metros quadrados e que muitas chegam a comportar seis presos sentados ou de pé, a situação passa de grave à gravíssima.
As prisões brasileiras encontram-se abarrotadas, sem as mínimas condições dignas de vida, contribuindo ainda mais para desenvolver o caráter violento do indivíduo e seu repúdio à sociedade que ele acusa de tê-lo colocado ali.
b. Falta de higiene e assistência médica social
Muitos dos presos estão submetidos a péssimas condições de higiene. As condições higiênicas em muitas cadeias são precárias e deficientes, além do que o acompanhamento médico inexiste em algumas delas. Quem mais sofre pela carência de assistência médica são as detentas, que necessitam de assistência ginecológica. Além disso, muitas penitenciárias não possuem sequer meios de transporte para levar as internas para uma visita ao médico ou a algum hospital. Os serviços penitenciários são geralmente pensados em relação aos homens, não havendo assistência específica para as mulheres grávidas, por exemplo.
Sanitários coletivos e precários são comuns, piorando as questões de higiene. A promiscuidade e a desinformação dos presos, sem acompanhamento psico-social, levam à transmissão de AIDS entre os presos, muitos deles sem ao menos terem conhecimento de que estão contaminados. Muitos chegam ao estado terminal sem qualquer assistência por parte da direção das penitenciárias. Mas não somente a AIDS é negligenciada. Segundo um relatório da Inter-American Commission Reports & Documents, sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, muitos presos se queixam de doenças gástricas, urológicas, dermatites, pneumonias e ulcerações, mas não são atendidos adequadamente, afirmando que muitas vezes nem sequer havia remédios básicos para tratar delas.
Além disso, o mesmo relatório constata que muitos presos não recebem qualquer assistência visando prover suas necessidades básicas de alimentação e vestuário. Muitos sofrem com o frio, outros acabam se molhando em dias de chuva e permanecem com a roupa molhada no corpo, causando doenças como gripes fortes e pneumonias. Para diminuir esta escassez, muito guardas são “subornados” por parentes dos detentos que lhes providencia mais comida e roupas em troca de dinheiro.
A possibilidade fática de um acompanhamento médico adequado evitaria que certas situações de maus tratos, espancamentos e outras violências contra os encarcerados ficassem sem a devida apuração e socorro.
c. Falta de acesso à educação e ensino profissionalizante
Uma antiga máxima popular diz que “mente vazia é a oficina do diabo”. Este provérbio não poderia ser mais adequado quando se trata da vida carcerária. O indivíduo privado de sua liberdade e que não encontra ocupação, entra num estado mental onde sua única perspectiva é fugir. O homem nasceu para ser livre, não faz parte de sua natureza permanecer enjaulado. Algumas raríssimas cadeias ainda oferecem certas condições que superam a qualidade de vida do preso se estivesse do lado de fora. Ainda assim, o sentimento de liberdade sempre é maior e mesmo estas cadeias acabam vivenciando rebeliões de fuga. Preso que não ocupa seu dia, principalmente sua mente, é um maquinador de idéias, a maioria delas, ruins. O presídio é um sistema fechado onde o encarcerado é obrigado a conviver, permanentemente, com outros indivíduos, alguns de índole igual, melhor ou pior. Nem sempre há cordialidade e animosidade é algo comum, gerando um eterno clima de medo e preocupação constantes, pois o preso nunca sabe se “o seu dia vai chegar”. Grande parte desta angústia vivida pelo presidiário advém da falta de ocupação, de uma atividade que ocupe seu tempo, distraia sua atenção e que o motive a esperar um amanhã melhor. A idéia de todo presidiário é que sua vida acabou dentro das paredes da cadeia e que não lhe resta mais nada. Amparo psicológico é fundamental, pois nenhum ser humano vive sem motivação. Presídio sem ocupação se torna uma escola “às avessas”: uma formadora de criminosos mais perigosos.
Por não ter um estudo ou ocupação, conseqüentemente, carecer de um senso moral que a vida pré-egressa não conseguiu lhe transmitir, a personalidade do preso passa a sofrer um desajuste ainda maior. Sua única saída é relacionar-se com os demais presos e intercambiar com ele suas aspirações, valores e visões de mundo, quase sempre distorcidas. Passa a adquirir novos hábitos, que antes não tinha, enfim transforma-se num indivíduo pior do que quando entrou. Além disso, distúrbios psicológicos que já possuía antes de vir para o presídio se agravam, justamente por se ver inserido num novo contexto social, repleto de hostilidades e desrespeito.
A grande maioria dos indivíduos presos não tiveram melhores oportunidades ao longo de suas vidas, principalmente a chance de estudar para garantir um futuro melhor. Nesse sentido, o tempo que despenderá atrás das grades pode e deve ser utilizado para lhe garantir estas oportunidades que nunca teve, por meio de estudo e, paralelamente, de trabalho profissionalizante. Além de ajeitar as celas, lavar corredores, limpar banheiros etc., os detentos precisam ter a chance de demonstrarem valores que, muitas vezes, encontram-se obscurecidos pelo estigma do crime. Existem casos de detentos que demonstram dotes artísticos, muitos deles se revelando excelentes pintores de quadros e painéis de parede, além de habilidades com esculturas, montagens, modelagens, marcenaria etc. Também, decoram as celas de acordo com sua criatividade e sua personalidade. Estas artes devem ser incentivadas, pois é uma forma de ocupar o preso, distraindo-o e aumentando sua auto-estima. É a chance de mostrar a ele de que existe a esperança de um amanhã melhor além das grades que o separam do mundo exterior.
A visão à cerca do criminoso é que, a partir do delito ele se torna um indivíduo à parte na sociedade, e que seu isolamento dentro de uma prisão significa a perda de toda a sua dignidade humana devendo, por isso, ser esquecido enquanto pessoa humana, e ignora-se que os direitos humanos valem para todos, sejam criminosos ou não. Infelizmente, no Brasil, a vida de pessoas pobres ou criminosos tem menos valor.
Violência Policial
Antes de prosseguir com o estudo da exclusão vivida pelos detentos, analisemos a violência policial que se faz presente em nosso país e vigora há muito tempo. Tornou-se realmente explícita durante o Regime do Estado Novo (1937-1945) e no Regime Militar (1964-1985), onde o alvo desta violência eram todos aqueles que não aceitavam a forma de poder ditatorial ou questionavam os atos de seus governantes. Não se pretende aqui justificar a Ditadura, a qual vai imediatamente contra os princípios universais de liberdade convencionados na Carta de 1948, mas deve-se fazer uma diferença entre a violência policial atuante num Regime ditatorial e aquela vigente num Regime democrático. No primeiro, o Estado atua com “mão-de-ferro” e o poder não emana do povo, pelo contrário, a ele é superior, ferindo todos os preceitos de um ideal democrático e sujeitando a massa de cidadãos à vontade de um governante dominado pela idéia de conduzir sozinho o destino de uma nação conforme suas convicções particulares. Nada mais “natural” que a polícia espelhe na prática o real cumprimento deste “poder”, estando a ele subordinado e por ele seja atuante, sendo mais particularmente evidente no Regime militar. Ocorre uma “pressão psicológica” sobre o indivíduo detentor do poder de polícia e que cumpre os mandos e desmandos de seus superiores em garantia de sua própria integridade. Trata-se, mais ou menos, de um estado de necessidade, porém, sob violência injustificada, visto que nenhuma forma de violência é justificável, a não ser para a proteção da vida e da integridade humana. Some-se a isso o fato de que a polícia brasileira sempre foi indisciplinada e uma das características principais é o despreparo do corpo policial.
No regime democrático, a aparente “justificativa” para a prática de atos de violência policial em prol da própria integridade não existe. O poder emana do povo (ou pelo menos se espera que emane), a quem cabe escolher seus representantes e em nome de quem este poder será exercido. À polícia não existe mais o sentimento “intrínseco” de cumprir ordens que criem atos violentos pelo simples fato de se estar subordinado a um poder superior, inexistindo também o receio de punição pela violência “não cumprida”. Existe tão somente o “dever legal” de manter a ordem e a disciplina no meio social, sendo a violência argüida apenas em casos extremos de hostilidade, e não pelo fato do cidadão usufruir seu direito de liberdade de ir e vir, de expressão etc.
Um ponto essencial que deve ser evidenciado quanto à violência é o fato de que a maioria de suas vítimas são geralmente os membros das camadas mais pobres e menos abastadas da população. Estes segmentos da sociedade são considerados classes perigosas por acreditar-se serem um ameaça às classes mais abastadas, ocorrendo um processo de “seleção” onde todo criminoso deve ter características como pobreza, desnutrição, inteligência limitada, preferivelmente negro ou mulato etc. Tal visão distorcida que impera no meio social, somada à indisciplina de uma polícia que sempre bateu, espancou e torturou, que repele a violência com mais violência, e que forma Esquadrões da Morte e grupos de extermínio, demonstra a total ignorância dos princípios básicos dos direitos humanos, cujas garantais fundamentais foram incluídas na Carta Magna que completa dez anos. Entretanto, é necessário mais que a promulgação dos princípios constitucionais, mas vontade política do governo brasileiro para fazer viger as normas constitucionais.
Tanta violência policial que vem à tona revela um dado importante: antigos e pavorosos defeitos da polícia ainda existem, mesmo depois de sepultada a ditadura militar. Existe extorsão, tortura, assassinato, seqüestro, omissão, mentira, insubordinação e até envolvimento com tráfico de drogas. É necessário, antes de tudo, civilizá-la, reeducando os policiais envolvidos em atos de violência e reformulando o treinamento dos policiais, da fiscalização de suas ações e no julgamento destes.
Segundo estudos realizados pelo professor Paul Chavigny, da Faculdade de Direito da Universidade de Nova York, somente no ano de 1992, a polícia de São Paulo matou aproximadamente 1470 pessoas, quase quatro vezes mais que a ditadura militar em 15 anos, sendo a Polícia Militar de São Paulo considerada como a mais violenta do mundo. A imagem negativa da PM brasileira ganha o mundo como uma violência institucionalizada. Não bastassem os fatos ocorridos em 1997, na Favela Naval, em Diadema, São Paulo, e documentados em vídeo, dois massacres comprovam a falência da polícia brasileira: o primeiro foi a chacina do 42° DP, onde 18 presos morreram asfixiados, em fevereiro de 1989, trancafiados numa cela sem ar na delegacia do Parque São Lucas, Zona Leste de São Paulo. Cerca de 50 presos foram empurrados ela tropa de choque da PM para o interior da cela e trancados. Uma hora mais tarde, quando a porta foi aberta, 18 deles estavam mortos. O segundo massacre ocorreu na Casa de Detenção de São Paulo, quando no dia 02 de outubro de 1992, PMs tentaram conter uma rebelião no Pavilhão n° 09 com tiros de metralhadoras e terminou com o saldo de 111 mortos.
Evidentemente que não nos cabe julgar a polícia paulista, pois os casos acima são exemplos de um problema que existe em todo o país, só que nem sempre encontra espaço nos meios de comunicação: a indisciplina policial. Esta indisciplina é um reflexo de toda a sociedade que a polícia tenta proteger, pois o pensamento dominante entre a maioria da população é de que “todo bandido deve morrer”. Além disso, nesta indisciplina encontra-se, ainda, a prática rotineira da tortura em delegacias e o fator da impunidade, já que existe o conflito entre a justiça civil e a militar, além da postura condescendente do governo em certos casos.
Presídios e direitos humanos
Os direitos individuais fundamentais garantidos pela Constituição Federal visam resguardar um mínimo de dignidade do indivíduo. Depois da vida, o mais importante bem humano é a sua liberdade. A seguir, advém o direito à dignidade. Infelizmente, dignidade não é algo que vê com freqüência dentro de nossos presídios. Muitas prisões não tem mais a oferecer aos seus detentos do que condições sub-humanas, o que constitui a violação dos Direitos Humanos. A realidade nua e crua é que os presidiários, em nosso país, são maltratados, humilhados e desrespeitados em sua dignidade, contribuindo para que a esperança de seu reajuste desapareça justamente por causa do ambiente hostil que se lhe apresenta quando cruza os portões da penitenciária. Tanto a qualidade de vida desumana quanto a prática de medidas como a tortura, por exemplo, dentro dos presídios, são fatores que impedem o ser humano de cumprir o seu papel de sujeito de direitos e deveres. Na verdade, diante da prática, o preso brasileiro possui mais deveres do que direitos. A realidade cercando a vida dos detentos não mudará da noite para o dia. Esta mudança requer vontade política, técnica e financeira necessárias, visando objetivos a curto, médio e longo prazo, mas em caráter de absoluta urgência. Se o ser humano é a essência de todas as instituições, o aperfeiçoamento do aparelho penitenciário exige uma abordagem humanista, que vise desenvolver e dignificar o presidiário.
O apóstolo Paulo de Tarso, em Carta aos Hebreus, diz: "Lembrem-se dos presos como se vocês estivessem na prisão com eles. Lembrem-se dos que são torturados, pois vocês também têm um corpo"[1].
Esta importante lembrança cristã se choca com um antigo preceito que domina a nossa sociedade: “preso bom é preso morto”. Infelizmente, a sociedade encontra-se doente, imersa em estigmas que ela própria criou, frutos de uma educação falha e depreciativa em certos casos. A sociedade brasileira perdeu – se é que um dia realmente deteve – sua auto-estima. Não existe mais orgulho em ser brasileiro, salvo em vitórias desportivas onde o ego do brasileiro é preenchido por uma medalha no peito de um atleta que o representa. Ser brasileiro é viver intensamente cada segundo deste país, não apenas se alegrando nas eventuais conquistas do esporte, mas em todos os momentos da vida desta nação. Há 500 anos a cultura desta nação começou a se formar, mas ainda hoje não podemos afirmar, categoricamente, o que é ser brasileiro. Ao contrário de nos orgulharmos, ser brasileiro passou a ser o reflexo do pensamento errôneo que os estrangeiros, principalmente europeus e americanos, nutrem a nosso respeito: “brasileiro é ladrão, é malandro, é bandido”. Estes povos não têm culpa de pensar assim. A culpa é nossa porque deixamos que eles pensem assim. Ao invés de vendermos a imagem de um povo heróico, possuidor de um braço forte, como quer nosso hino, permitimos que o Brasil seja visto como a terra das desigualdades. E, pior que isso, nós acabamos importando de volta a imagem que vendemos, daí o porquê de tanto preconceito que o brasileiro sente em relação a si mesmo, julgando que tudo o que vem de fora do país é melhor. Isso pode existir, mas não é uma regra. Qualquer país do mundo é passível de acertar e errar. E a imagem de que todo bandido merece morrer está intimamente ligada a este estigma que nós próprios criamos contra nós mesmos. Ao mesmo tempo, por ser bandido, à luz do preconceito social, o indivíduo perde todos os seus direitos à dignidade e civilidade. O reflexo deste pensamento se dá, hoje, na horrível condição pessoal em que se encontram os detentos de nosso país, jogados e esquecidos “nas masmorras” do desrespeito, esquecendo-se eles próprios de que são seres humanos. O resultado não poderia ser diferente: ao invés de se reabilitar, o detido passa a nutrir um ódio cada vez maior pela sociedade que o colocou ali. Em sua mente, movido pela força natural de seu raciocínio, a sociedade não lhe deu emprego, educação ou qualquer condição que lhe garantisse a subsistência. O crime que cometeu foi motivado pela própria sociedade e ele não o teria praticado se esta mesma sociedade não lhe tivesse motivado. Os presos precisam de ajuda, de respeito, apoio físico e psíquico para terem esperança de recuperarem sua moral, a paz de seu espírito e o reeqüilíbrio social. Infelizmente, não é o que acontece nas penitenciárias deste país.
A lei penal e as formas de sua aplicação devem atender às exigências da vida pessoal e social de cada condenado e mesmo daqueles detidos provisoriamente. Para isso, são necessários critérios para que se alcance o desenvolvimento social capaz de acabar, de uma vez por todas, com a idéia de que “preso bom é preso morto”, um pensamento de exclusão absoluta destes indivíduos que lhes nega toda e qualquer forma de dignidade porque hoje se encontram isolados da sociedade. Não é, simplesmente, isolando estas pessoas que se garantirá a ordem social, pois um dia, grande parte deles se reintegrará novamente à comunidade. A questão é reformar os valores ético-morais de nosso povo, despertando sua consciência para o fato de que qualquer nação só se faz grande a partir do respeito à dignidade de seus filhos, sejam eles livres ou detidos em sua liberdade.
O sistema carcerário no Brasil, hoje, está falido. Mudanças radicais neste sistema se fazem urgentes, pois as penitenciárias se transformaram em verdadeiras “usinas de revolta humana”, uma bomba-relógio que o judiciário brasileiro criou no passado a partir de uma legislação que hoje não pode mais ser vista como modelo primordial para a carceragem no país. Ocorre a necessidade de modernização da arquitetura penitenciária, a sua descentralização com a construção de novas cadeias pelos municípios, ampla assistência jurídica, melhoria de assistência médica, psicológica e social, ampliação dos projetos visando o trabalho do preso e a ocupação de sua mente-espírito, separação entre presos primários e reincidentes, acompanhamento na sua reintegração à vida social, bem como oferecimento de garantias de seu retorno ao mercado de trabalho entre outras medidas são algumas boas medidas para desarmar esta bomba.
Nosso país é profundamente desigual, começando pela concentração de renda. Somado a isso, negros, mulatos e pobres não têm oportunidades de subsistência, partindo para a criminalidade. O resultado, visível por todos nós neste limiar do século XXI é um Brasil injusto, doente e desacreditado. Estes fatos já fazem parte da tradição brasileira, e hoje ocorre uma espécie de banalidade em relação às desigualdades, como se o próprio povo estivesse “acostumado” com aquilo que vê e observa, sem perceber que ele figura, tanto como sujeito ativo desta situação, como sujeito passivo, vítima futura de sua própria negligência. E esta tradição impregnou todos os setores da vida brasileira, sendo a mais notória delas o descumprimento das normas no Brasil. Os presos estão nas penitenciárias porque descumpriram a lei. Mas esquecemos que algo deve ser feito com aqueles que, da mesma forma, descumprem a lei que beneficia os presos a uma vida mais digna e humana. O mesmo esquecimento do preceito que o apóstolo, dois mil anos atrás, tentou nos alertar.
As penitenciárias brasileiras
Não é novidade nenhuma que as condições de detenção e prisão no sistema carcerário brasileiro violam os direitos humanos, fomentando diversas situações de rebelião onde, na maioria das vezes, as autoridades agem com descaso, quando não com excesso de violência contra os presos. A Constituição Federal prevê, em seu artigo 5°, inciso XLIX, a salvaguarda da integridade física e moral dos presos, dispositivo raramente respeitado pelo nosso sistema carcerário.
Chamar nossas cadeias e penitenciárias de prisões é um elogio desmerecido. O que existe no Brasil são verdadeiras masmorras, depósitos humanos de excluídos formalmente separados dos “presos desviados”, ou seja, aqueles “bons cidadãos” que por uma razão ou outra cometeram um “equívoco” e tiveram sua liberdade privada. São os chamados “presos especiais”, com direito a regalias como comida especial, televisão, jornais, revistas e outras regalias que não cabem ao denominado “povão”.
Segundo dados do IBGE, de 1994, sobre a situação carcerária em nosso país, dos 297 estabelecimentos penais existentes no Brasil até aquela data, 175 se encontravam em situação precária e 32 em construção. A população carcerária girava em torno dos 130 mil presos, dos quais 96,31% eram homens e 3,69% eram mulheres. Quanto aos motivos da detenção, 51% dos presos cometeram furto ou roubo, 17% homicídio, 10% tráfico de drogas e o restante outros delitos. O mesmo instituto divulgou nesta pesquisa que 95% dos presos são indigentes e 97% são analfabetos ou semi-analfabetos. A reincidência na população penal é de 85%, o que demonstra que as penitenciárias não estão desempenhando a função de reabilitação dos detentos.
As causas de tanta desigualdade dentro das prisões brasileiras é muito simples: faltam recursos para oferecer dignidade aos detentos, seja por meio de melhores condições de saúde, higiene e espaço dentro das instalações. Vejamos, rapidamente, alguns destes tópicos que transformam nossas cadeias em verdadeiras fábricas de desumanidade:
a. Superlotação
Estima-se que a capacidade de nossas penitenciárias é de pouco mais de 54.000 vagas. A população carcerária em nosso país está em torno de 130 mil internos, verificando-se que ainda faltam 75 mil vagas para comportar de forma mais humana todo este contingente. Como este excesso precisa ser relocado de qualquer forma, cada vaga está sendo ocupada, em média, por 2,15 presos. Neste sentido, o Brasil carece, hoje, de pelo menos 150 novos presídios para aliviar a pressão das demais penitenciárias existentes. Entretanto, estes dados não são confiáveis, pois alguns setores extra-oficiais que trabalham de perto com o sistema carcerário, afirmam que algumas vagas vêm sendo ocupadas por cerca de cinco ou seis presos, o que configura nossas cadeias como “depósitos de presos”. A superpopulação gera os mais preocupantes efeitos, como promiscuidade, falta de higiene, comodidade etc. Em alguns Estados, devido à superlotação das delegacias de polícia ou pequenas cadeias públicas, muitas mulheres são colocadas em celas masculinas e terminam estupradas.
Se lembrarmos que algumas celas possuem apenas 12 metros quadrados e que muitas chegam a comportar seis presos sentados ou de pé, a situação passa de grave à gravíssima.
As prisões brasileiras encontram-se abarrotadas, sem as mínimas condições dignas de vida, contribuindo ainda mais para desenvolver o caráter violento do indivíduo e seu repúdio à sociedade que ele acusa de tê-lo colocado ali.
b. Falta de higiene e assistência médica social
Muitos dos presos estão submetidos a péssimas condições de higiene. As condições higiênicas em muitas cadeias são precárias e deficientes, além do que o acompanhamento médico inexiste em algumas delas. Quem mais sofre pela carência de assistência médica são as detentas, que necessitam de assistência ginecológica. Além disso, muitas penitenciárias não possuem sequer meios de transporte para levar as internas para uma visita ao médico ou a algum hospital. Os serviços penitenciários são geralmente pensados em relação aos homens, não havendo assistência específica para as mulheres grávidas, por exemplo.
Sanitários coletivos e precários são comuns, piorando as questões de higiene. A promiscuidade e a desinformação dos presos, sem acompanhamento psico-social, levam à transmissão de AIDS entre os presos, muitos deles sem ao menos terem conhecimento de que estão contaminados. Muitos chegam ao estado terminal sem qualquer assistência por parte da direção das penitenciárias. Mas não somente a AIDS é negligenciada. Segundo um relatório da Inter-American Commission Reports & Documents, sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, muitos presos se queixam de doenças gástricas, urológicas, dermatites, pneumonias e ulcerações, mas não são atendidos adequadamente, afirmando que muitas vezes nem sequer havia remédios básicos para tratar delas.
Além disso, o mesmo relatório constata que muitos presos não recebem qualquer assistência visando prover suas necessidades básicas de alimentação e vestuário. Muitos sofrem com o frio, outros acabam se molhando em dias de chuva e permanecem com a roupa molhada no corpo, causando doenças como gripes fortes e pneumonias. Para diminuir esta escassez, muito guardas são “subornados” por parentes dos detentos que lhes providencia mais comida e roupas em troca de dinheiro.
A possibilidade fática de um acompanhamento médico adequado evitaria que certas situações de maus tratos, espancamentos e outras violências contra os encarcerados ficassem sem a devida apuração e socorro.
c. Falta de acesso à educação e ensino profissionalizante
Uma antiga máxima popular diz que “mente vazia é a oficina do diabo”. Este provérbio não poderia ser mais adequado quando se trata da vida carcerária. O indivíduo privado de sua liberdade e que não encontra ocupação, entra num estado mental onde sua única perspectiva é fugir. O homem nasceu para ser livre, não faz parte de sua natureza permanecer enjaulado. Algumas raríssimas cadeias ainda oferecem certas condições que superam a qualidade de vida do preso se estivesse do lado de fora. Ainda assim, o sentimento de liberdade sempre é maior e mesmo estas cadeias acabam vivenciando rebeliões de fuga. Preso que não ocupa seu dia, principalmente sua mente, é um maquinador de idéias, a maioria delas, ruins. O presídio é um sistema fechado onde o encarcerado é obrigado a conviver, permanentemente, com outros indivíduos, alguns de índole igual, melhor ou pior. Nem sempre há cordialidade e animosidade é algo comum, gerando um eterno clima de medo e preocupação constantes, pois o preso nunca sabe se “o seu dia vai chegar”. Grande parte desta angústia vivida pelo presidiário advém da falta de ocupação, de uma atividade que ocupe seu tempo, distraia sua atenção e que o motive a esperar um amanhã melhor. A idéia de todo presidiário é que sua vida acabou dentro das paredes da cadeia e que não lhe resta mais nada. Amparo psicológico é fundamental, pois nenhum ser humano vive sem motivação. Presídio sem ocupação se torna uma escola “às avessas”: uma formadora de criminosos mais perigosos.
Por não ter um estudo ou ocupação, conseqüentemente, carecer de um senso moral que a vida pré-egressa não conseguiu lhe transmitir, a personalidade do preso passa a sofrer um desajuste ainda maior. Sua única saída é relacionar-se com os demais presos e intercambiar com ele suas aspirações, valores e visões de mundo, quase sempre distorcidas. Passa a adquirir novos hábitos, que antes não tinha, enfim transforma-se num indivíduo pior do que quando entrou. Além disso, distúrbios psicológicos que já possuía antes de vir para o presídio se agravam, justamente por se ver inserido num novo contexto social, repleto de hostilidades e desrespeito.
A grande maioria dos indivíduos presos não tiveram melhores oportunidades ao longo de suas vidas, principalmente a chance de estudar para garantir um futuro melhor. Nesse sentido, o tempo que despenderá atrás das grades pode e deve ser utilizado para lhe garantir estas oportunidades que nunca teve, por meio de estudo e, paralelamente, de trabalho profissionalizante. Além de ajeitar as celas, lavar corredores, limpar banheiros etc., os detentos precisam ter a chance de demonstrarem valores que, muitas vezes, encontram-se obscurecidos pelo estigma do crime. Existem casos de detentos que demonstram dotes artísticos, muitos deles se revelando excelentes pintores de quadros e painéis de parede, além de habilidades com esculturas, montagens, modelagens, marcenaria etc. Também, decoram as celas de acordo com sua criatividade e sua personalidade. Estas artes devem ser incentivadas, pois é uma forma de ocupar o preso, distraindo-o e aumentando sua auto-estima. É a chance de mostrar a ele de que existe a esperança de um amanhã melhor além das grades que o separam do mundo exterior.
A visão à cerca do criminoso é que, a partir do delito ele se torna um indivíduo à parte na sociedade, e que seu isolamento dentro de uma prisão significa a perda de toda a sua dignidade humana devendo, por isso, ser esquecido enquanto pessoa humana, e ignora-se que os direitos humanos valem para todos, sejam criminosos ou não. Infelizmente, no Brasil, a vida de pessoas pobres ou criminosos tem menos valor.
Violência Policial
Antes de prosseguir com o estudo da exclusão vivida pelos detentos, analisemos a violência policial que se faz presente em nosso país e vigora há muito tempo. Tornou-se realmente explícita durante o Regime do Estado Novo (1937-1945) e no Regime Militar (1964-1985), onde o alvo desta violência eram todos aqueles que não aceitavam a forma de poder ditatorial ou questionavam os atos de seus governantes. Não se pretende aqui justificar a Ditadura, a qual vai imediatamente contra os princípios universais de liberdade convencionados na Carta de 1948, mas deve-se fazer uma diferença entre a violência policial atuante num Regime ditatorial e aquela vigente num Regime democrático. No primeiro, o Estado atua com “mão-de-ferro” e o poder não emana do povo, pelo contrário, a ele é superior, ferindo todos os preceitos de um ideal democrático e sujeitando a massa de cidadãos à vontade de um governante dominado pela idéia de conduzir sozinho o destino de uma nação conforme suas convicções particulares. Nada mais “natural” que a polícia espelhe na prática o real cumprimento deste “poder”, estando a ele subordinado e por ele seja atuante, sendo mais particularmente evidente no Regime militar. Ocorre uma “pressão psicológica” sobre o indivíduo detentor do poder de polícia e que cumpre os mandos e desmandos de seus superiores em garantia de sua própria integridade. Trata-se, mais ou menos, de um estado de necessidade, porém, sob violência injustificada, visto que nenhuma forma de violência é justificável, a não ser para a proteção da vida e da integridade humana. Some-se a isso o fato de que a polícia brasileira sempre foi indisciplinada e uma das características principais é o despreparo do corpo policial.
No regime democrático, a aparente “justificativa” para a prática de atos de violência policial em prol da própria integridade não existe. O poder emana do povo (ou pelo menos se espera que emane), a quem cabe escolher seus representantes e em nome de quem este poder será exercido. À polícia não existe mais o sentimento “intrínseco” de cumprir ordens que criem atos violentos pelo simples fato de se estar subordinado a um poder superior, inexistindo também o receio de punição pela violência “não cumprida”. Existe tão somente o “dever legal” de manter a ordem e a disciplina no meio social, sendo a violência argüida apenas em casos extremos de hostilidade, e não pelo fato do cidadão usufruir seu direito de liberdade de ir e vir, de expressão etc.
Um ponto essencial que deve ser evidenciado quanto à violência é o fato de que a maioria de suas vítimas são geralmente os membros das camadas mais pobres e menos abastadas da população. Estes segmentos da sociedade são considerados classes perigosas por acreditar-se serem um ameaça às classes mais abastadas, ocorrendo um processo de “seleção” onde todo criminoso deve ter características como pobreza, desnutrição, inteligência limitada, preferivelmente negro ou mulato etc. Tal visão distorcida que impera no meio social, somada à indisciplina de uma polícia que sempre bateu, espancou e torturou, que repele a violência com mais violência, e que forma Esquadrões da Morte e grupos de extermínio, demonstra a total ignorância dos princípios básicos dos direitos humanos, cujas garantais fundamentais foram incluídas na Carta Magna que completa dez anos. Entretanto, é necessário mais que a promulgação dos princípios constitucionais, mas vontade política do governo brasileiro para fazer viger as normas constitucionais.
Tanta violência policial que vem à tona revela um dado importante: antigos e pavorosos defeitos da polícia ainda existem, mesmo depois de sepultada a ditadura militar. Existe extorsão, tortura, assassinato, seqüestro, omissão, mentira, insubordinação e até envolvimento com tráfico de drogas. É necessário, antes de tudo, civilizá-la, reeducando os policiais envolvidos em atos de violência e reformulando o treinamento dos policiais, da fiscalização de suas ações e no julgamento destes.
Segundo estudos realizados pelo professor Paul Chavigny, da Faculdade de Direito da Universidade de Nova York, somente no ano de 1992, a polícia de São Paulo matou aproximadamente 1470 pessoas, quase quatro vezes mais que a ditadura militar em 15 anos, sendo a Polícia Militar de São Paulo considerada como a mais violenta do mundo. A imagem negativa da PM brasileira ganha o mundo como uma violência institucionalizada. Não bastassem os fatos ocorridos em 1997, na Favela Naval, em Diadema, São Paulo, e documentados em vídeo, dois massacres comprovam a falência da polícia brasileira: o primeiro foi a chacina do 42° DP, onde 18 presos morreram asfixiados, em fevereiro de 1989, trancafiados numa cela sem ar na delegacia do Parque São Lucas, Zona Leste de São Paulo. Cerca de 50 presos foram empurrados ela tropa de choque da PM para o interior da cela e trancados. Uma hora mais tarde, quando a porta foi aberta, 18 deles estavam mortos. O segundo massacre ocorreu na Casa de Detenção de São Paulo, quando no dia 02 de outubro de 1992, PMs tentaram conter uma rebelião no Pavilhão n° 09 com tiros de metralhadoras e terminou com o saldo de 111 mortos.
Evidentemente que não nos cabe julgar a polícia paulista, pois os casos acima são exemplos de um problema que existe em todo o país, só que nem sempre encontra espaço nos meios de comunicação: a indisciplina policial. Esta indisciplina é um reflexo de toda a sociedade que a polícia tenta proteger, pois o pensamento dominante entre a maioria da população é de que “todo bandido deve morrer”. Além disso, nesta indisciplina encontra-se, ainda, a prática rotineira da tortura em delegacias e o fator da impunidade, já que existe o conflito entre a justiça civil e a militar, além da postura condescendente do governo em certos casos.
Presídios e direitos humanos
Os direitos individuais fundamentais garantidos pela Constituição Federal visam resguardar um mínimo de dignidade do indivíduo. Depois da vida, o mais importante bem humano é a sua liberdade. A seguir, advém o direito à dignidade. Infelizmente, dignidade não é algo que vê com freqüência dentro de nossos presídios. Muitas prisões não tem mais a oferecer aos seus detentos do que condições sub-humanas, o que constitui a violação dos Direitos Humanos. A realidade nua e crua é que os presidiários, em nosso país, são maltratados, humilhados e desrespeitados em sua dignidade, contribuindo para que a esperança de seu reajuste desapareça justamente por causa do ambiente hostil que se lhe apresenta quando cruza os portões da penitenciária. Tanto a qualidade de vida desumana quanto a prática de medidas como a tortura, por exemplo, dentro dos presídios, são fatores que impedem o ser humano de cumprir o seu papel de sujeito de direitos e deveres. Na verdade, diante da prática, o preso brasileiro possui mais deveres do que direitos. A realidade cercando a vida dos detentos não mudará da noite para o dia. Esta mudança requer vontade política, técnica e financeira necessárias, visando objetivos a curto, médio e longo prazo, mas em caráter de absoluta urgência. Se o ser humano é a essência de todas as instituições, o aperfeiçoamento do aparelho penitenciário exige uma abordagem humanista, que vise desenvolver e dignificar o presidiário.
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