Indústria disputa trabalho barato de preso
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Com remuneração ao redor de R$ 300 por mês, sem direito a 13º, férias e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), os presos se transformaram em vantagem competitiva para as indústrias.Por essa razão, é cada vez maior o interesse dos empresários na mão-de-obra carcerária. Quase metade dos cerca de 85 mil presos das unidades administradas pela Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo presta serviços às empresas.O grupo de indústrias que exploram os serviços dos presos é considerado pequeno --cerca de 200 empresas contratam os serviços de 40.512 presos no Estado. Isso gerou descontentamento de empresários e sindicalistas e levantou até suspeitas de esquema de favorecimento do Estado no processo de seleção de empresas."Tem muita gente ganhando dinheiro com a industrialização dos presídios, menos o preso, que só obtém, a cada três dias de trabalho, redução de um dia no cumprimento da pena. Ninguém é contra o trabalho do preso, mas falta regulamentação", afirma Francisco Sales Gabriel Fernandes, vice-presidente da Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos do Estado de São Paulo."Não há projeto social nenhum por trás da contratação dos presos pelas indústrias. O preso fica com 75% do salário mínimo. Os outros 25% ficam com a Funap [Fundação de Amparo ao Preso, ligada à Secretaria da Administração Penitenciária]. Isso é trabalho escravo", afirma Eleno José Bezerra, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.A Funap é responsável por uma parte dos contratos fechados com os empresários. Os presídios também podem fazer acordos diretamente com as indústrias. Cabe à Funap fazer o repasse do dinheiro para o preso --75% de sua remuneração mensal. Os outros 25% são utilizados para pagar os presidiários que prestam serviços ao Estado, além de água e energia.As metalúrgicas que estão fora do sistema penitenciário, segundo informa Bezerra, são vítimas de concorrência desleal. Um metalúrgico, por exemplo, custa cerca de R$ 1.300 para a indústria por mês, incluindo encargos sociais. Um preso, R$ 400 mensais, no máximo. Isto é, o preso custa para uma indústria, em média, de 25% a 30% do que custa o trabalhador.A Funap admite que o interesse das empresas no preso é hoje muito mais econômico do que social. A cada bimestre cerca de uma dúzia de empresários bate às portas da fundação em busca dos serviços baratos dos presidiários."A maioria das empresas é descartada, pois o interesse é pagar até menos do que a Funap entende como uma remuneração mínima para os presidiários, de R$ 300 por mês", afirma Maria Solange Rosalem Senese, gerente comercial da Funap. "As empresas também são rejeitadas porque não oferecem o que precisamos: mão-de-obra intensiva com ocupação de pouco espaço", diz.Ao contrário do que pensam alguns empresários e sindicalistas, segundo informa Rosalem Senese, a Funap quer atrair mais indústrias para os presídios. "O grupo que contrata os prisioneiros é pequeno porque, provavelmente, falta divulgação e porque o preconceito com o trabalho do preso ainda é grande no país", diz.O artigo 31 da Lei de Execução Penal estabelece que o preso está obrigado ao trabalho. Mas hoje não há regras para a contratação dessa mão-de-obra."De fato, a empresa não tem vínculo empregatício com o preso. Mas o empresário, em contrapartida, deve formar e qualificar o preso e até arrumar um emprego para ele quando deixar o presídio. É o que desejamos", afirma a gerente comercial da Funap.Várias denúncias chegaram aos sindicatos das indústrias e de trabalhadores no final do ano passado sobre a exploração do trabalho dos presos e sobre a concorrência desleal praticada pelas empresas que utilizam essa mão-de-obra.Fabricantes de blocos de concreto da região de Sorocaba que estão fora do sistema carcerário foram ao Ciesp se queixar de prática de concorrência desleal por uma empresa que produz dentro da penitenciária. A situação se repetiu com empresas do setor de cabos instaladas em Guarulhos."Em visita a dois presídios constatamos que algumas empresas nem sequer estão preocupadas com a segurança do trabalho do preso, apesar de o custo da mão-de-obra ser baixo. Tem de haver contrapartida, a qualificação do preso. Se não existir, o empresário concorre de forma desleal", diz Vitor Seravalli, diretor do departamento de responsabilidade social do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).No final do ano passado, a Funap recebeu denúncia sobre duas metalúrgicas que estavam transferindo praticamente toda a produção para o presídio de Guarulhos. "Isso não dá para aceitar."Como não há um modelo para usar o trabalho dessa mão-de-obra, existem empresas que trabalham direito e outras, errado", afirma Iberê Baena Duarte, presidente da Funap. Por essa razão, a fundação e os representantes da indústria e dos trabalhadores pretendem criar uma comissão tripartite para regulamentar a produção dentro dos presídios.Os contratos firmados entre a Funap e as empresas são de até cinco anos, podendo ser prorrogados. "No caso dos contratos antigos, os empresários dizem que têm estabilidade no processo e que, em caso de rompimento, podem até pedir indenização do Estado. Com a regulamentação, vamos poder resolver essas questões", afirma Baena Duarte.Uma ala da Penitenciária Feminina da Capital parece mais uma empresa do que uma penitenciária --cerca de 480 presas trabalham para indústrias, ou 75,5% da população carcerária. Lá estão instaladas empresas dos setores metalúrgico, de material plástico e de confecção. Boa parte delas não quer ver seus nomes divulgados, pois teme que os clientes sumam se souberem que parte da produção vem dos presídios.A Agster, que fabrica artigos esportivos, trabalha com mão-de-obra do presídio feminino há dois anos. Hoje, 15 presas passam e embalam 30 mil peças por mês. A partir deste mês, vai contratar os serviços de outras 15 presas, que também serão responsáveis por parte da produção das peças."Minha empresa está no presídio mais por interesse social do que econômico", afirma Terry Terrell, proprietário da Agster. "Os clientes não gostaram da idéia no início. Viam como uma exploração do preso. Hoje enxergam como uma ação social, pois parte do dinheiro que elas recebem vai para suas famílias", diz.
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