quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Os números atuais são muito maiores.

Crime, castigo e trabalho

Empregar os presos é uma alternativa inteligente para combater a criminalidade. Por que, então, essa idéia não prospera no Brasil?

Os presídios foram criados no século XVIII para que os condenados fossem devolvidos à sociedade melhores do que entraram. Uma das grandes causas da criminalidade brasileira é que isso foi esquecido. O sistema carcerário nacional empilha 360 mil pessoas em cadeias projetadas para 260 mil e cerca de 56% dos detentos reincidem no crime. De acordo com estudiosos, porém, esse índice poderia ser drasticamente reduzido com a simples ampliação dos programas de trabalho nas prisões. Além de contracheques no final do mês, eles dão ao preso empregabilidade e liberdade mais cedo - a cada três dias trabalhados, um é reduzido da pena. "Trabalho nos presídios é uma política de segurança pública, pois quem está na cadeia um dia sairá", diz Maurício Kuehni, diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Mas empresas, políticos e a própria sociedade ainda parecem ver com ceticismo essa idéia, que já se mostrou eficaz dentro e fora do Brasil.
No Estado de São Paulo, 79% das pessoas estão presas por roubo e furto. Algumas assaltaram ou furtaram sem tirar a vida de ninguém. Mesmo entre os homicidas, a maioria é considerada recuperável, já que no Brasil os assassinatos geralmente são cometidos no calor de bebedeiras ou discussões. "Somente 10% dos presos do sistema são realmente perigosos para a sociedade", diz o educador Roberto da Silva, da USP. A experiência mostra que mesmo alguns presos que cometeram crimes mais graves podem ser resgatados. Ricardo Teixeira Silva, de 54 anos, foi condenado a 95 anos por homicídio depois de confessar ter matado os assassinos de sua mulher. Passou 22 anos atrás das grades e afirma ter sobrevivido ao massacre do Carandiru, quando 111 presos foram executados. Silva trabalhou por oito meses dentro de outro presídio para uma empresa de manutenção de máquinas industriais. Ganhou a liberdade em 2002 e, há três anos, trabalha na mesma empresa, numa unidade em Cotia. "A oportunidade me fez ver que eu não tinha a cadeia no meu sangue." Casos como esse, porém, ainda são raros, poispoucos governos e empresários investem no trabalho de presidiários.
Alguns países se preocupam com a questão bem mais que o Brasil. Nos Estados Unidos, somente 3,5% dos detentos produziram US$ 1,5 bilhão em mercadorias e serviços em 2002. Lá, pelo menos 2 mil presos trabalham em ä telemarketing, fazendo reservas de avião e hotéis para agências de turismo, e provocam a fúria dos sindicatos trabalhistas, por oferecer às empresas uma mão-de-obra mais barata, com menos impostos. Com isso, dizem os sindicatos, os empresários deixam de contratar trabalhadores livres. Estudos econômicos recentes, porém, mostraram que esses empregos vêm, na verdade, ajudando a recuperar vagas perdidas para países como China e Índia, onde a mão-de-obra é muito mais barata.
Por que pode melhorar - O índice de presos que trabalham ainda é baixo. Mas boa parte dessa mão-de-obra poderia ser aproveitada nas linhas de montagem
No Brasil, 360 mil pessoas estão presas. Só 18% exercem alguma atividade remunerada nas prisões
O Estado de São Paulo concentra pouco mais de um terço da massa carcerária brasileira. Nos presídios paulistas, 35% dos presos trabalham
Os presos são cada vez mais jovens. Três quartos deles têm entre 18 e 34 anos. Portanto, é mão-de-obra com idade para trabalhar
Cerca de 80% dos detentos respondem por crimes contra o patrimônio, como roubo e furto. São os que teriam maiores chances de recuperação
Os centros de telemarketing instalados nos presídios americanos lembram escritórios comuns. Os presos deixam a cela no início da manhã, por volta das 7h30, cumprem uma jornada de oito horas diárias e voltam às celas no final do dia. Empresas como IBM, Boeing, Motorola, Intel e Revlon costumam utilizar mão-de-obra carcerária. Pesquisas americanas mostram que trabalhar dentro do presídio reduz pela metade a chance de o preso voltar ao crime depois que ganha liberdade. O dado é relevante, já que 95% dos que estão atrás das grades voltarão às ruas.
Se é bom para todos os lados, por que, então, as empresas brasileiras não usam mais o trabalho penitenciário? Um dos fatores é a desconfiança em relação às cadeias. A maioria dos empresários não quer nem pensar no assunto. Os poucos que apostam no trabalho dos presos costumam se beneficiar. É o caso da Schunk, metalúrgica que emprega detentas da penitenciária do Butantã, de São Paulo. "Eu pensava que todas as cadeias fossem como o Carandiru. Mas era um lugar limpo e organizado", diz Luiz Carlos Cunha, diretor da empresa. Outra companhia que entrou nos presídios foi a Rentalcenter, que aluga equipamentos para construção civil em todo o Brasil. Vinte e um detentos da Penitenciária II de Franco da Rocha freqüentam cursos de mecânica e são responsáveis pelo conserto de parte das máquinas. "Nunca tive problema nenhum com eles. Tem fila de presos querendo uma oportunidade", afirma Vagner Thomaz, instrutor da Rentalcenter. São selecionados para participar da oficina os que têm bom comportamento. Dorijaldo Alves de Souza, de 36 anos, condenado a 25 por roubar um carro, conseguiu uma vaga. Preso desde 1996, freqüenta a oficina há dois anos. Com o dinheiro que ganha, ajuda no sustento da esposa e da filha. "A sociedade acha que somos bichos. Mas já estamos pagando por nosso erro", afirma.
Quando decidiu levar uma oficina de confecção de capas de celulares para dentro da Colônia Penal Professor Jacy de Assis, em Uberlândia, Minas Gerais, em 2001, a empresária Ieda Marques tinha um temor: "Será que uma rebelião não pode destruir o maquinário que coloquei dentro do presídio?". Tal preocupação é freqüente entre os empresários que investem no sistema penitenciário. Mas os resultados na oficina de Ieda foram encorajadores. Quinze presos se revezavam na costura das capas. "Eles trabalhavam de forma muito eficiente e não faltavam", diz. Um dia, a tão temida rebelião aconteceu. O único local que passou incólume foi a oficina de trabalho. "Os presos jamais destroem aquilo que lhes traz benefício. Os que infringem regras mínimas de comportamento são demitidos", afirma Márcio Martinelli, diretor-executivo da Funap, órgão estadual que intermedeia acordos do sistema penitenciário com as empresas em São Paulo.
Entre todos os benefícios do trabalho para os detentos, um dos que mais contribuem para a ressocialização é o aumento da auto-estima. Na Penitenciária II de Tremembé, a 138 quilômetros de São Paulo, os presos reformam carteiras das escolas públicas. O reconhecimento da função vem na forma de cartas, escritas pelas crianças das escolas públicas que recebem os móveis. "Quem sabe meu filho não está aproveitando o que de melhor estou fazendo aqui dentro?", diz Paulo Roberto de Jesus, ex-agente de segurança, de 34 anos, preso há seis por homicídio e pai de um garoto de 9 anos. Ele diz que se emociona com as cartas que recebe dos alunos. "Sei que você está aí por algum motivo, mas isso não importa. Quero te dizer que estou muito grato com as carteiras que vocês fizeram", escreve um estudante de 10 anos que recebeu um dos móveis feitos por Jesus. "Eles estão presos, mas não são presos", diz Claudionéia Ramos, diretora da unidade. Em quatro anos de direção da cadeia de presos trabalhadores, ela nunca enfrentou uma fuga ou rebelião.
Vantagem para todos - Como os presos, as empresas e a sociedade são beneficiadas pelo trabalho nas penitenciárias

BENEFÍCIOS PARA OS PRESOS
A cada três dias de trabalho, ganham um dia de redução da pena
Recebem cerca de um salário mínimo
Dez por cento dos salários do preso são automaticamente poupados. Assim, eles têm um fundo para quando saírem da prisão
Os salários podem ser enviados à família ou usados para despesas pessoais, como compra de material de higiene
A capacitação que os presos recebem será útil para conseguirem um emprego fora da prisão

BENEFÍCIOS PARA AS EMPRESAS
Os presos não são empregados no regime de CLT. Com isso, as empresas economizam até 60% dos custos de mão-de-obra ao não pagar benefícios, como férias, 13o salário e Fundo de Garantia
A empresa também poupa na instalação da unidade de produção, pois usa a infra-estrutura do presídio, como galpões, água e energia elétrica.
Os presos faltam menos ao trabalho do que um operário comum

BENEFÍCIOS PARA A SOCIEDADE
O trabalho aumenta a chance de ressocialização do preso. É uma forma de prevenir a reincidência quando ele ganha liberdade
Dez por cento do salário dos presos alimenta um fundo que paga o trabalho de outros detentos na manutenção das unidades prisionais
O trabalho ocupa os condenados, diminuindo as tensões na cadeia e os motivos para rebeliões ou fugas
Os presos adquirem noções de hierarquia, cumprimento de horários e metas de produção

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